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‘Passaporte framboesa’. “The Guardian” expõe histórias de exploração na agricultura em Odemira

O jornal britânico já tinha denunciado a semana passada a exploração de trabalhadores agrícolas em Odemira, que recebem menos do salário mínimo pela colheita de frutos vermelhos. Esta segunda-feira, partilhou mais histórias de miséria de pessoas que deixaram tudo para trás em busca de uma vida digna.
31 Janeiro 2022, 20h30

Rahul. Sagar. Tantos outros. Dezenas de homens e mulheres, maioritariamente provenientes do sul da Ásia, vieram para Portugal em busca de melhores condições de vida, bem como de um estatuto legal e cidadania, que depende de um emprego a tempo inteiro e pagamento de impostos. O “The Guardian” descreve a miséria em que vivem estas pessoas, com nomes fictícios ou em completo anonimato, que apanham framboesas em Odemira.

Durante o dia, trabalham dezenas de horas que não são contabilizadas nas suas folhas de vencimento. À noite, amontoam-se às dúzias em pequenos chalés, dormem em colchões sem roupa de cama onde quer que haja espaço (mesmo que signifique o chão da cozinha); em beliches em garagens com correntes de ar, infestados de pulgas nalguns casos; ou em contentores convertidos em dormitórios. Ao final do mês, todos recebem menos que o salário mínimo.

“Não conheço ninguém aqui que se importe comigo”, diz Rahul, que arriscou a vida para entrar na Europa. Assegura que voltaria para a Índia num instante, mas deve sete mil euros ao seu contrabandista. Choroso, diz: “O meu coração está despedaçado. Sinto a falta da minha namorada, da minha mãe e do meu pai. Não tenho nada [dinheiro] para lhes  mostrar”, e eles estavam a contar com a sua ajuda.

Uma mulher de 25 anos conta ao jornal britânico que apresentou o seu pedido de residência ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) em 2019, mas foi informada em junho que o seu pedido já não existia. Teve que adiar seu casamento na Índia duas vezes. Se deixar o país, o pedido é anulado. “Há três anos [que o meu noivo] espera por mim. Temos sonhos para o nosso casamento, para tudo… mas tudo está estragado.”

Sem residência permanente, temem que o menor passo em falso possa ameaçar seu futuro. “Não podemos reclamar”, diz um homem da Índia, que diz que às vezes trabalha até 11 horas por dia com menos de uma hora de intervalo. “Quando não há trabalho, o que vais comer? O que vais beber? Nada.”

“Eu tinha expectativas de conseguir um bom trabalho, bom dinheiro”, diz o nepalês Sagar, que destaca a diferença para a realidade laboral no Alentejo. “Todos temos muito medo”, confidencia. “Os impostos estão relacionados ao trabalho e papéis estão relacionados aos impostos. E se perdemos um, perdemos o outro.”

Com medo de que quaisquer queixas médicas também possam afetar sua empregabilidade, os apanhadores de fruta dizem que muitas vezes evitam procurar tratamento para doenças pré-existentes e lesões sofridas no trabalho.

“Se eu for ao centro de saúde, eles vão-me fazer muitas perguntas”, diz um homem que tinha vários cortes nas mãos com infeções. “Eles podem pedir-me identificação, residência, tantos papéis. Quero evitar todos os problemas”.

Estas pessoas, que têm noção que estão a ser exploradas, mas que garantem estar encurraladas, integram uma indústria de 239 milhões de euros (200 milhões de libras). Estima-se que sejam mais de 10 mil migrantes em busca do “passaporte framboesa”.

As pessoas entrevistadas, mais de 40 homens e mulheres da Índia e do Nepal,  afirmaram ao “The Guardian” terem pago até 18 mil euros (15 mil libras) a contrabandistas para facilitar a sua entrada na UE.

Esta foi a segunda peça de investigação do jornal britânico sobre os migrantes em Odemira. A primeira foi publicada a 25 de janeiro. As visitas a estes locais de trabalho ocorreram entre setembro e novembro do ano passado.

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