1. Tenho ouvido e lido que António Costa, com esta sua maioria absoluta, tem todas as condições para executar o Plano de António Costa.

Só não encontrei ainda, dos que falam ou escrevem, que Plano é esse, que frentes estruturantes vão ser privilegiadas pelo novo Governo. As frentes escolhidas devem, para além de, por si próprias, serem determinantes no lançamento da transformação radical da sociedade e economia portuguesas, impulsionar importantes dinâmicas noutros domínios e, articularem-se numa linha coerente de País do futuro.

O País precisa de se projectar num ritmo sustentado de desenvolvimento qualitativo, muito acima da média europeia, vencer bolsas de pobreza que persistem e gerar riqueza e distribuí-la de forma mais equitativa. Aqui também caberia interrogar-se sobre os trunfos de que dispomos e antecipar as dificuldades a vencer no longo percurso do caminho delineado.

Será pedagógico saber o que sabem os comentadores que tanto falam do Plano. Pelo menos, registem o que têm na cabeça sobre o mesmo e contraponham.

2. Dizer que o futuro primeiro-ministro, António Costa, vai aplicar ao máximo os fundos comunitários e, nomeadamente, pôr de pé a tão conhecida “bazuca”, cujo pai, mãe, padrinho conhecemos, acrescento eu, escrever/dizer isto só, é pobre, como também títulos de primeiras páginas a anunciar que o Governo vai estar recheado de super ministros, embora reconheça que as pessoas são importantes, se trouxerem diferença pelo seu peso político, competência e capacidade de decisão. E títulos de primeira página em que se confundem orçamento e plano, piora ainda um pouco.

3. Existe o PRR já negociado e aprovado em Bruxelas. Um PRR que diferencia três dimensões: a Resiliência Económica, a Transição Climática e a Transição Digital.

A Resiliência é a dimensão mais consistente porque incorpora a saúde e a habitação, duas áreas ligadas a direitos básicos e onde muito está por fazer. Espero que o Plano do Governo vá um pouco além, em temas estruturantes e, ainda, articule as verbas do PRR com as do Programa 2030 numa programação financeira coerente.

Assim, é fundamental que o Plano para a Legislatura contemple e dê relevo a linhas de fundo como a demografia, a água, a energia e a reindustrialização, em termos de actuação imediata, mas sobretudo de prospectiva.

Notas avulso

4. A saúde. O grande problema da saúde são os recursos humanos e a gestão, diz-se. Resolver o problema dos recursos humanos da saúde no âmbito da filosofia da Administração Pública é, diria, tarefa impossível. Porque não uma ruptura de paradigma? O Ministério da Saúde tem de se guiar pelos padrões rígidos da Função Pública?! Porque não ensaiar um novo modelo e com essa experiência partir em novos moldes para a Reforma de grandes fatias do aparelho de Estado, como a educação, a ciência… a cultura. Faz algum sentido continuar a falar de Administração Pública como no tempo de Napoleão?!

Perspectivo, no entanto, a Saúde muito para além das carreiras. Por isso, há a economia da saúde. Esta dimensão enquadra tudo quanto circula à sua volta, como os consumos e equipamentos. Detectar as capacidades de Portugal nos mercados sobre estas potencialidades. Raciocinar e agir como cluster, ligando todas as peças. Pensar ligando é quanto a mim a melhor forma de fortificar e ampliar o SNS. E, sem mitigar o papel das empresas, compete ao Estado a missão dirigir. E o Estado para isso necessita de criar estruturas técnico-científicas de produção de pensamento e acção (estruturas de prospectiva e planeamento). Mais uma componente importante que “mexe” com a Reforma de Estado.

5. A habitação. Outra área chave, que nunca fica resolvida em definitivo. A habitação envolve todo o país, embora seja nos grandes centros urbanos que as carências são mais acutilantes. Para atingir um patamar digno na habitação é preciso investir muito. O PRR afectou um montante significativo que permite abrir caminho.

Na habitação, a grande questão prende-se com os protagonistas que são vários, mas o Estado e as autarquias deverão ter um papel relevante a diferentes níveis. A contratualização Governo/Autarquias na base de programas concretos é um bom caminho.

É importante para a economia consolidar a construção civil que hoje se debate com problemas de mão-de-obra e de acesso à aquisição de materiais e componentes em tempo. Um diálogo constante governo/associações será importante no encontro de soluções.

6. A energia. Um tema estruturante para o desenvolvimento e transição climática. Face à escalada dos preços da energia urge atacar o problema no curto prazo, pelo menos, neutralizando os aumentos ou mesmo fazendo-os recuar, mas o lançamento de bases de desenvolvimento futuro, onde o hidrogénio merece relevo e reflexão especiais, designadamente na sua relação com a geração de electricidade de que precisa é fundamental e pode ser de ruptura de modelo e aqui até se liga à reindustrialização do País.

Difícil encontrar, a nível da União Europeia, uma matéria com divergências tão profundas entre os governos dos países membros. É um campo minado por grandes lóbis.

7. A reindustrialização é quase tudo. É uma matéria transversal que merece ser trabalhada até em termos de conceptualização. Para mim, a revolução digital, a inteligência artificial e como antes referi a energia nela se enquadram. Merece uma estrutura de Missão acima do ministério tipo.

8. A demografia e a água. Dois temas que nem precisam de justificação para constarem como linhas de fundo. A água porque é o recurso mais necessário para a vida do ser humano. A demografia analisa o ser humano. E pelos estudos que se vão conhecendo quer a demografia quer a água não se encontram de boa saúde… e, por isso, há que recorrer a quem lhes trate da saúde e, como são temas globais, compete aos governos dos países interessarem-se por lhes devolver a saúde.

9. Os temas de um plano para uma legislatura não têm de ter todos o mesmo tipo de explanação. Têm de contemplar uma linha estratégica de longo prazo e pensados e programados por fases, de acordo com os passos que se pretendam, com realismo, no período do plano.

Assim, alguns dos temas referidos, se eventualmente contemplados, apresentar-se-iam, pela sua natureza, com níveis de desenvolvimento desiguais. Óptimo seria que aparecessem tratados para o público. Fundamental, no entanto, é a bússola que defina para onde queremos ir.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.