“É a economia, estúpido” foi uma de três frases-chave concebidas por James Carville para uso interno da campanha de Bill Clinton em 1992. Transformou-se num template que tem sido aplicado a tudo e a todos: desde o défice aos economistas. No Portugal de 2017, pode ser uma expressão útil para chamar a atenção de políticos e do Estado que, para além do Panteão e das “progressões na carreira”, existe na ilha Portugal um mundo de vivos, de carne e osso, como disse há dias o Presidente da República, cujo bem-estar presente e futuro depende de haver uma estratégia de crescimento inteligente, bem informada, de mangas arregaçadas, entendida e aceite pela generalidade dos agentes económicos.

A metáfora Portugal-ilha é antiga. Infelizmente, é cada vez mais a realidade e, espantosamente, por opção e não por fatalidade geográfica. Num seminário do Fórum para a Competitividade sobre como o Orçamento do Estado se enquadra numa estratégia de crescimento a médio prazo, o gestor de uma empresa que exporta a quase totalidade da sua produção sugeriu que os políticos portugueses tentassem olhar para Portugal de fora para dentro e perceber onde nos situamos no cenário de concorrência global. Temo que os zombies que governam esta ilha não consigam, ou sequer queiram, ver mais longe do que o Bugio.

Não poderá haver exemplo mais claro do crescente isolamento português que o da ferrovia. Os comboios portugueses não entram em França. Dentro de alguns anos, nem em Espanha entrarão. Há diferenças de bitola, de sistema elétrico e de sinalização que fecham a passagem. Com os planos de investimento previstos em Espanha, a rede de bitola europeia espanhola ligará diretamente todos os principais portos e plataformas logísticas daquele país à Europa até 2030. Dentro de alguns anos nem os camiões portugueses entrarão em França. Na zona mais congestionada, a fronteira com Espanha, em Hendaye, o objetivo francês é retirar da estrada 6.500 dos 9.000 camiões diários (le mur de camions). Ou seja, retirar quase todo o tráfego rodoviário de longo curso. Muitos são portugueses.

Na análise de Mário Lopes, professor do Instituto Superior Técnico, Portugal irá tornar-se uma ilha ferroviária porque nada está a ser feito. Os comboios portugueses, se não for implementado de imediato um plano de reconversão das principais linhas, ficarão restritos a circular no território nacional. E será também uma ilha rodoviária em consequência das restrições francesas à passagem de camiões. Resta o transporte marítimo que, tendo algumas vantagens em custo de operação e ambiental, não chega onde o comboio pode chegar mais depressa.

Portugal é uma ilha de wishful thinkers. Alguns são pessoas com vontade de crer ou bem-intencionados, mas outros são sabidos. A ilha está dominada por políticas do imediato sustentadas em boa parte por populismos de extrema-esquerda. Muitos ilhéus estão iludidos por propagandas enganadoras. A ilha está quase imersa em esquemas e expedientes próprios de quem é pobre, recusando teimosamente admitir progressos galopantes nos países onde a energia da iniciativa privada e a capacidade criadora dos empreendedores é estimulada pelos governos – não apenas por legislação adequada, mas talvez sobretudo por um contexto favorável e uma opinião pública mobilizada pela ideia de que o imobilismo conduz à miséria. Como disse Pedro Ferraz da Costa, presidente do Forúm, “isto ainda pode acabar mal.”

Um dos grandes problemas que afeta a opinião pública atualmente é não haver consciência da necessidade imperiosa de redução da dívida, condição indispensável para alavancar em crescimento económico benefícios em cadeia para a economia em geral e para os cidadãos em particular, desde logo melhorando a capacidade para sustentar o estado social (já se veem brechas no Serviço Nacional de Saúde, por exemplo). Mas o futuro não é de amanhãs que cantam. Segundo Pedro Braz Teixeira, o crescimento acumulado de Portugal desde 2012 é de 7,5%, o que recolocou o PIB apenas ao nível de 2007. Em 16 anos, a Irlanda cresceu quase 95% e outros 15 países europeus, vários deles ex-satélites soviéticos, cresceram muito mais que Portugal e estão prestes a ultrapassar-nos. Apenas Itália e Grécia cresceram menos.

Todas as previsões de crescimento para Portugal de entidades nacionais e estrangeiras para os próximos anos são sempre negativas. Em 2021 estaremos a crescer apenas entre 1,2% e 1,7%. Mas, para reduzir a dívida pública dos atuais 126% do PIB para menos de 80% do PIB, em dez anos, Portugal precisa de pôr a sua economia a crescer sustentadamente em pelo menos 3% ao ano. Os fatores negativos são de toda a ordem. Por exemplo, são precisas mais e melhores empresas de maior dimensão, reduzindo-se o número de microempresas de 42% para pelo menos 29%, a média da UE. É preciso que o investimento público seja de qualidade, por exemplo na modernização da ferrovia.

O inquérito do World Economic Forum a empresas de todo mundo recentemente publicado revela que os principais obstáculos à competitividade de Portugal têm origem no Estado: burocracia ineficiente, impostos, legislação laboral, instabilidade de medidas políticas, insuficiente capacidade para inovar, em boa parte resultado de insuficiente acesso a capital. Na opinião do economista Augusto Mateus, expressa noutra conferência, Portugal está muito afastado das outras economias europeias. Apresenta um enorme desequilíbrio financeiro e o economista acrescenta: “Portugal precisa de financiamento externo ainda durante muito tempo. Temos de prestar atenção a isso e qualquer alteração às taxas de câmbio, de juro vai criar-nos problemas graves”.

Antes era possível pensar em romper o isolamento ilhéu graças à tábua de salvação que são as redes avançadas de telecomunicações. Era a ideia de que se pode fazer negócios a partir de qualquer sítio graças à Internet. Hoje, as redes já não são uma vantagem competitiva per se. Todos os outros já as têm. São passivas e se não se souber dominar as tecnologias digitais apenas servem para descarregar filmes mais depressa. A ilha tem boas redes de telecomunicações, mas estão subaproveitadas para melhorar a produtividade e novos negócios. E, como também foi referido no Forúm, o contexto português precisa de ser mais favorável aos negócios.

Há dias, um artigo de Jim Hoagland no Washington Post, com o título “The fourth industrial revolution is upon us”, chamava a atenção para o facto da rutura tecnológica do século XXI ser diferente das três anteriores. As sociedades tiveram anos para se adaptar à mudança provocada pela máquina a vapor, a eletricidade e o computador. Agora não há tempo para adaptação. Hoagland escrevia de Marraquexe, Marrocos, por ocasião da World Policy Conference do Instituto de Relações Internacionais de Françam, que contou com a participação de Emmanuel Macron e que ocorreu quando do lançamento de um satélite espião por Marrocos, o primeiro de África.

Hoje, toda a mudança é ubíqua, escreveu Hoagland. Chega digitalmente a todo o mundo ao mesmo tempo. Governos em todos os continentes estão, de repente, a acordar para como as redes sociais e outras formas de algoritmos e inteligência artificial correram para fora do seu controlo e até compreensão. (Veja-se a campanha de Trump e a Rússia, 2016, por exemplo). Os governos têm de cuidar de problemas terra-a-terra criados pelo impacto fraturante da tecnologia no mercado de trabalho e em sistemas políticos frágeis. Os empregos que a inteligência artificial e a automação criam requerem reaprendizagem constante e múltiplas mudanças de carreira e de localização. Nos EUA, há 6,1 milhões de postos de trabalho em aberto porque os candidatos não têm as skills e a mobilidade requeridas.

O entendimento da importância das tecnologias digitais em todas as áreas levou muitos países a criarem ministérios, departamentos e programas dedicados ao digital. Por exemplo, Digital India é um dos principais programas do Ministério da Eletrónica e das Tecnologias de Informação do governo indiano. Foca-se na saúde, educação, trabalho e emprego, comércio. Outra necessidade é a especialização, como também referiu Augusto Mateus. Lisboa e Porto ainda não descobriram como se tornar polos de atração tecnológico. É preciso apenas uma ideia, mas tem de ser a ideia certa no momento certo – que é já. Várias cidades em todo o mundo estão a posicionar-se para se tornarem polos de umas das mais promissoras áreas de aplicação das tecnologias digitais, a chamada fintech (= finance + technology). Varsóvia, Tallin, Praga, Singapura querem tornar-se hubs de fintech.

Nesta segunda-feira, no meio da enorme confusão e divisão que, por causa do Brexit, mina o governo das ilhas que constituem o Reino Unido, Greg Clark, ministro dos Negócios (sim, business secretary) apresentou uma proposta de plano estratégico (White Paper on Industrial Strategy) para aumentar a produtividade no Reino Unido e diminuir os grandes desequilíbrios entre regiões. O estudo agora colocado à discussão pública começou a ser elaborado no início deste ano (ou seja, não foi feito on the knee) e identifica quatro grandes desafios e tendências globais que, segundo o governo, vão determinar o futuro: inteligência artificial; crescimento limpo; sociedade envelhecida; e o futuro da mobilidade. O desenho desta proposta de estratégia industrial (a primeira desde 1974) reforça aquilo que considera serem as cinco fundações da produtividade: ideias; pessoas; infraestrutura; ambiente de negócios; e lugares. Velha Albion, ilhas verdadeiras com ideias novas (às vezes péssimas, como o Brexit).