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Portugal preocupado com a agonia da Venezuela e a insegurança dos portugueses que hesitam entre o regresso e a continuidade

É num quadro de instabilidade, violência, manifestações, falta de alimentos e de medicamentos, que o secretário de Estado das Comunidades Portuguesas e o secretário regional madeirense que tutela o setor da emigração, efetuam desde hoje uma visita à Venezuela que se prolonga até 2 de Junho.
30 Maio 2017, 02h53

Ninguém sabe ao certo que garantias de eficácia podem as autoridades portuguesas contar num país onde o próprio regime político luta pela sobrevivência e o governo está mais preocupado com questões internas bem mais importantes do que a garantia de segurança de uma pequena comunidade como a portuguesa.

Há quem duvide que os governantes nacionais regressem de Caracas com garantias políticas ou compromissos oficiais mais concretos, porque a evolução da situação política na Venezuela é tal, que Nicolás Maduro neste momento tem outras preocupações e o poder legislativo está sobretudo apostado em acelerar o afrontamento político ao presidente.

Tal como referiu aos jornalistas o ministro português dos Negócios Estrangeiros, neste momento é “muito importante manter um canal de comunicação e de colaboração, no sentido de que a segurança e o bem-estar da comunidade portuguesa e luso-venezuelana naquele país seja o mais possível preservada”.

O objetivo da viagem de José Luís Carneiro e de Sérgio Marques é o de contatarem com as autoridades locais e procurar assegurar a “segurança e bem-estar” dos portugueses e lusodescendentes. Não se percebe como que que a espiral da violência e da criminalidade está neste momento em crescendo e descontrolada.

Encontros

Ana Cristina Monteiro, presidente da nova Associação da Comunidade de Imigrantes Venezuelanos na Madeira – VENECOM criada recentemente no Funchal

Admite-se que os dois governantes participem em encontros com o Clube Português de Caracas, o maior do país e a Missão Católica Portuguesa, liderada pelo monsenhor Alexandre Mendonça e que tem acompanhado sobretudo as necessidades sociais da comunidade portuguesa e dos cidadãos mais vulneráveis e desprotegidos. Já no início deste ano esta Missão tinha manifestado preocupação pela situação dos portugueses no país, afetados pela insegurança e pela crise política e económica.

Alexandre Mendonça reconheceu então à Lusa que “hoje em dia o fator medo é das piores desgraças que estão acontecendo na Venezuela”.

“As pessoas não podem sair à rua, nas suas casas não podem andar em paz, nos seus negócios não há segurança. É realmente uma situação muito difícil, mas a nossa comunidade continua manifestando fé e confiança neste país», disse à agência.

O receio de um regresso massivo

Neste momento a preocupação principal da comunidade madeirense, calculada em mais de 350 mil pessoas, incluindo segundas gerações – apesar de não existirem estatísticas credíveis – tem a ver sobretudo com a garantia de sobrevivência num país em crise e com a eventual preparação de um regresso à sua terra, cenário que o governo regional disse temer por não existirem condições para acolher, de um momento para outro, milhares de pessoas.

Neste momento há já mais de 700 emigrantes madeirenses regressados à Madeira inscritos nos serviços de emprego regionais, e aumenta significativamente a procura por aulas de português, sobretudo para os mais jovens, que começam a ser garantidas por várias instituições locais, incluindo a própria Universidade da Madeira.

Ensino do português intensifica-se

O Económico Madeira sabe que há escolas secundárias na Região que admitem preparar – tudo depende da disponibilidade dos docentes e dos funcionários para o efeito – programas especiais de ensino de língua portuguesa para jovens filhos de emigrantes madeirenses regressados, a serem concretizados no Verão durante o período de férias dos estabelecimentos de ensino.

Instabilidade

Hugo Chávez, lider da revolução bolivariana esteve na Madeira em Outubro de 2001

Na Venezuela, sobretudo nas principais cidades, as manifestações a favor da democracia, de eleições presidenciais imediatas, do respeito pelo parlamento controlado pela oposição e pela liberdade de expressão, a que se junta a exigência de libertação de presos políticos, são diárias e de uma maneira geral acabam em violência e confrontos nas ruas.

As cenas de violência policial e militar contra os manifestantes banalizaram-se, os confrontos entre apoiantes e opositores do regime são diários, a denúncia de que existem grupos paramilitares que poderão ter sido deliberadamente armados pelo regime de Maduro para enfrentarem esta situação é factual. Aumenta o número de vítimas, há luso-descendentes envolvidos nessas manifestações e em detenções realizadas pelas autoridades.

Fome e conflito de “perspetivas”

A falta de alimentos essenciais nos supermercados, a fome que começa a generalizar-se nos vários patamares da sociedade Venezuela – onde a classe média desapareceu devido aos efeitos da crise económica e social – têm originado fortes manifestações de protesto das populações, por vezes violentas, que regra geral acabam com pilhagens a estabelecimentos comerciais de géneros alimentares, muitos dos quais propriedade de emigrantes portugueses.

O problema tem a ver, segundo uma fonte portuguesa residente em Caracas contactada pelo Económico Madeira, com as perspetivas diferentes entre os pais, emigrantes mais velhos, e as segundas gerações, mais jovens, nascidos na Venezuela e que se mostram dispostos a continuar no país apesar das dificuldades.

Uma das razões para este conflito de perspetivas entre duas gerações de emigrantes tem a ver com reconhecidas dificuldades de integração sentidas no passado por outros jovens regressados a Portugal. E que começam desde logo pela dificuldade em falarem o português, apesar das comunidades terem andado décadas a reclamar do poder político em Lisboa (e no Funchal) aulas em português nos países de acolhimento e o envio de professores de língua portuguesa o que em muitos casos aconteceu. No caso dos mais velhos as dificuldades em obterem emprego prendem-se com as exigências de conhecimentos da língua inglesa, com a própria idade avançada das pessoas e com o facto de muitos deles apresentarem habilitações escolares ou profissionais muito baixas ou mesmo inexistentes.

Hoje a situação social e económica na comunidade portuguesa começa a agravar-se e nem sequer falamos nos nas muitas centenas de residentes na Venezuela – não se conhece ao certo o número de prejudicados – que integram os lesados dos antigos BES e BANIF que continuam confrontados com a perda das suas poupanças, nalguns casos a totalidade delas.

As autoridades venezuelanas parecer ter perdido o controlo da situação. Números divulgados por organismos venezuelanos privados admitem que cerca de 3 milhões de venezuelanos já abandonaram o país desde que Hugo Chávez e a sua revolução bolivariana chegaram ao poder. Sabe-se apenas que milhares de pessoas continuam a fugir para a Colômbia e para o Brasil para aí encontrarem segurança, alimentos e medicamentos que escasseiam nas grandes cidades venezuelanas.

Até à pequena ilha holandesa de Curaçau, situada a pouca distância da costa norte da Venezuela, e onde reside uma pequena comunidade madeirense, chegam muitos cidadãos em balsas improvisadas que fazem lembrar o fenómeno dos cubanos em fuga para os EUA.

Esta fuga do país não envolve apenas emigrantes portugueses, mas alarga-se e afeta outras comunidades nomeadamente a espanhola e a italiana, as maiores na Venezuela.

O medo da “nacionalização” de bens

Outra situação que condiciona os planos dos emigrantes portugueses, de acordo com a mesma fonte contactada pelo Economico Madeira, apesar da gravidade da situação, tem a ver com o receio de que as propriedades privadas possam ser consideradas “abandonadas” e “nacionalizadas” pelo poder político no caso de um movimento de regresso massivo de portugueses ao seu país.

Acresce ainda que existem muitas dificuldades na obtenção de recursos financeiros junto dos bancos venezuelanos a que se junta a dificuldade de compra de viagens aéreas – muitas companhias aéreas europeias, incluindo a TAP, deixaram de voar para Caracas devido à instabilidade no país e ao atraso na entrega pelo governo venezuelano de verbas pertencentes a essas empresas. A conjugação destes factos, associados à divergência de opiniões entre os emigrantes mais velhos e os luso-descendentes mais jovens, que insistem em ficar na esperança de que a mudança se fará com eles lá, explicam alguma indefinição neste domínio.

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