Nos últimos dias houve grande indignação – como é costume em grande parte fruto das emoções e não da razão – com a acentuada escalada dos preços dos combustíveis, que atingiram valores nunca antes vistos.

Não contesto que as pessoas possam reagir emotivamente perante factos que, numa análise imediatista, parecem indiciar uma determinada realidade – sobretudo quando essa análise assenta em informação incompleta. Parece-me normal que o cidadão comum, que não tem acesso aos estudos publicados pela Autoridade da Concorrência, pela ERSE ou pela ENSE, quando anda nas estradas e vê que os preços nos postos de abastecimento são muito semelhantes ou mesmo iguais, conclua que as petrolíferas estão concertadas.

Mas já não me parece aceitável que pessoas que desempenham responsabilidades elevadas, até ao nível ministerial, que as obriga a conhecer melhor a realidade (pelo menos devia obrigá-las a ler esses estudos antes de emitir opiniões), tenham reacções desse tipo.

Não vale a pena perguntar onde estão os reguladores. O ponto está na informação que usamos (ou não usamos) para discutir o assunto, que existe em quantidade e qualidade e é facilmente acessível. Os reguladores estão lá, e fazem tudo o que podem para contribuir para divulgar informação aos consumidores.

A Autoridade da Concorrência, por exemplo, teve durante anos o sector dos combustíveis sob vigilância permanente e nunca detectou quaisquer indícios de concertação de preços. Aliás, o que concluiu foi que a informação sobre preços e cotações que está disponível é tão vasta, e descreve com tanto detalhe o funcionamento dos mercados, que as companhias têm todas a mesma base para trabalhar e determinar os seus próprios preços – que naturalmente acabam por ser muito semelhantes.

É evidente que existirão sempre vozes a dizer que a Autoridade da Concorrência não encontrou concertação porque não soube procurar, na medida em que aquilo que se vê demonstra que existe, e que só por incompetência ou conluio é possível concluir que não existe. Por uma questão de higiene mental, abstenho-me de comentar este tipo de opiniões.

É que os resultados a que os muitos estudos realizados sobre o tema não confirmam as leituras apressadas segundo as quais “toda a gente vê”, ou ”toda a gente sabe”… É o eterno problema da aparência –  “se parece, é”.

Finalmente, existem as comparações que pululam nas redes sociais que mostram que actualmente os preços dos combustíveis são muito mais elevados do que eram no passado quando as cotações do petróleo estavam mais ou menos ao mesmo nível que hoje, para concluir que existe especulação nos mercados. Se bem que é necessário ter cautela com estas “fontes”, sempre haverá que reconhecer à partida que existe especulação.

As cotações são formadas a partir da oferta e da procura nos mercados internacionais, e a especulação faz parte (não sendo tudo) da natureza destes mercados. Mas a comparação ignora um conjunto de factores relevantes que contribuem para a diferença. Por exemplo, não se explica se e como é que há dez anos se fazia a repercussão da incorporação do custo dos biocombustíveis, não se tem em conta que, entretanto, foi criada a compensação por emissões de gases de efeito de estufa, não se informa sobre a contribuição rodoviária e a variação das taxas do ISP, do IVA, etc..

Julgo que a situação actual é fundamentalmente resultado de instabilidade económica, agravada pela guerra. Mas o maior peso continua a ser dos impostos, e sem uma reforma profunda do Estado não vejo como se possa reduzir esse peso.

Para lá de tudo isto, e até por causa dos efeitos da transição energética, é de esperar que a médio e longo prazo os preços da energia continuem a tender para aumentar. Era bom estarmos preparados para isso, porque em cenário de mercado livre não há alternativa, e a tentação para o recurso a controlos administrativos dos preços, de que falarei noutra altura, acaba sempre por sair muito cara.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.