Cerca de dois terços da riqueza gerada pela nossa economia (traduzida em PIB) é consumo das famílias. As escolhas de consumo de cada um de nós refletem-se diretamente no desempenho da atividade económica. Quando decidimos ir a um restaurante, a uma pastelaria, às compras, adquirir um automóvel, um computador, um telefone, estamos a fazer escolhas de consumo que interferem com a economia. Compras feitas por nós são vendas de empresas, que se traduzem na sua capacidade de empregar pessoas, de gerar rendimentos para essas pessoas poderem fazer as suas vidas.

As escolhas de consumo das famílias estão dependentes do seu rendimento disponível após impostos. Se não consumirem, poupam. Foi o que sucedeu durante o confinamento da primeira vaga da pandemia. Esse comportamento originou a maior taxa de poupança sobre o rendimento disponível de que há memória em Portugal. Foi 22,6% a parte do rendimento que não foi consumido num trimestre. Ou porque não era possível consumir, ou porque, com a significativa redução de expetativas sobre a evolução da atividade, as famílias, por precaução, decidiram adiar as suas escolhas de consumo.

Não admira, portanto, que o consumo tenha caído 14,6% nesse trimestre, provocando diretamente uma queda brutal no PIB. Com este fenómeno acenaram-se os fantasmas do desemprego e da degradação do nível de vida.

A parte que mais pesa no consumo, e que sofreu adiamento, está relacionada com a necessidade de mobilidade. As famílias retraíram-se na decisão de comprar carro, retomando-a no terceiro trimestre. Não há muitas famílias com poupança disponível para comprar uma viatura a pronto pagamento. E precisam de fazê-lo para se deslocarem. Para gerarem o seu rendimento. O seu próprio sustento. Outras, precisam de fazê-lo para estudar, para fazer obras em casa ou, durante a pandemia, para comprarem computadores e outro material informático.

Em 2019, a Associação Portuguesa de Instituições de Crédito Especializado (ASFAC) encomendou um estudo à Nova SBE sobre o impacto do crédito concedido às famílias pelas suas Associadas na economia portuguesa. Pois bem. Os resultados só vieram confirmar o que se esperava: um acréscimo de 1 ponto percentual no crédito concedido por estas Instituições tem um impacto positivo no PIB em 0,25 pontos percentuais em dois anos e 0,5 em três anos.

O fenómeno do sobre-endividamento das famílias foi levado muito a sério pelas autoridades. Hoje, as Instituições de Crédito estão sujeitas a regulamentação macro prudencial que procura evitar esse efeito, uma vez que é obrigatório o cálculo da solvabilidade dos particulares quando solicitam crédito. Uma eficaz forma de responsabilização e de proteção da estabilidade financeira.

Ora, sendo assim, o financiamento aos consumidores passou a ser um “lugar (mais) seguro”, pelo que só nos resta olhar para o consumo das famílias como algo positivo, que faz parte do dinamismo da economia. Nesse dinamismo, cabem as Instituições de Crédito que, através do apoio aos consumidores, antecipam a aquisição de bens ou serviços fundamentais para viabilizar o acesso à mobilidade, ao conhecimento, ao conforto das famílias.

Isto é consumo responsável. É cuidar racionalmente da mais importante variável do PIB. Da mais importante fonte de receita fiscal do Estado. Por motivos diferentes, é certo, ter baixas taxas de poupança na economia é tão mau quanto ter altas. Mais uma vez, é no meio que está a virtude. No bom senso. Na moderação. Se assim for, consumir não é pecado.