No olho do furacão da crise política, Marcelo Rebelo de Sousa decidiu sair do Palácio de Belém e ir ao multibanco. Se havia dúvidas, ficámos com a nítida sensação que vivemos numa ópera bufa. E é fácil deixar a interrogação aos leitores, quer gostem mais ou menos de cada um deles: alguma vez Eanes, Soares, Sampaio ou Cavaco proporcionariam tão risível espectáculo?

Marcelo já tinha estado mal antes. Chamar Paulo Rangel para discutir o calendário político nas costas de Rui Rio é uma punhalada fria e a reacção do líder do PSD ao saber da notícia pelos jornalistas deu pena. O seu rosto e linguagem corporal foram incapazes de esconder o desconforto face à maquiavélica manobra de quem foi sempre o escorpião da conhecida fábula.

Nesta altura, a haver eleições antecipadas, ainda é cedo para disparar um diagnóstico e tentar adivinhar que efeito o chumbo do Orçamento do Estado terá num futuro próximo.

Contudo, há um risco associado a tal decisão: a ingovernabilidade. Porque se das urnas sair um cenário idêntico, o marasmo e as águas turvas irão fragilizar Portugal, país onde se antevia um crescimento económico acima de cinco por cento para o próximo ano.

A clarificação ideal seria uma maioria absoluta, no entanto, ela parece difícil de obter à esquerda e à direita.

Tenho a convicção que o eleitorado de esquerda penalizará fortemente o BE e também o PCP. Posso augurar que num cenário de canibalização pelo voto útil no PS de ambos os partidos, Catarina Martins e Jerónimo de Sousa terminarão as suas comissões de serviço de liderança após as próximas legislativas.

À direita, ainda não sabemos quem será o capitão da nau, Rio ou Rangel, mas ainda será mais complicado no momento em que ambos já colocaram de parte o Chega. Ora, sem André Ventura, só uma hecatombe ou colapso total do PS e António Costa colocará os sociais-democratas a governar com maioria absoluta.

Neste cenário de eleições antecipadas, o partido que mais tem a ganhar é o Chega. O sustentado crescimento nacional revelado nas autárquicas ao nível do número de mandatos obtidos, revela que a sua força eleitoral crescerá inexoravelmente.

Nos sonhos mais optimistas de Ventura, os dois dígitos poderão ser alcançados, mas a certeza maior é que o grupo parlamentar se robustecerá com mais deputados. O partido tem um eleitorado fidelizado, crente e com fé no seu Messias. E quando existe quase um culto, é muito difícil ser vítima de qualquer apelo de Rangel ou Rio a um voto útil à direita.

Na genial série italiana, “Gomorra”, numa temporada ouve-se: “quem está no topo nunca se deve esquecer que o seu poder está nas mãos daqueles que estão por baixo”.

Como estarão os portugueses na altura de votar não sabemos, mas saturados por certo estarão de dois anos de pandemia e de teatros dispensáveis de idas ao multibanco do Chefe de Estado. Não é tempo de brincadeiras.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.