O presente confronto entre os EUA e a Rússia na Ucrânia não deixa de ser uma jogada altamente arriscada, que pode comprometer a implementação do projeto norte-americano de liderança global.

Até agora as coisas não correram exatamente como Washington previu. A Rússia não foi derrotada estrategicamente, não se transformou num estado pária, nem se encontra destroçada economicamente. A almejada mudança de regime em Moscovo não passa de uma miragem. E o projeto de a fragmentar em estados frágeis e manipuláveis, como aconteceu com a Federação jugoslava, está muito longe de vir a acontecer. Para já, não é mais do que wishfull thinking.

Face aos insatisfatórios resultados obtidos, questionamo-nos se a estratégia concebida por Washington para infligir uma derrota estratégica a Moscovo (fim), sem se envolver numa confrontação militar direta com forças russas (método), delegando a guerra nos ucranianos e recorrendo à ajuda militar do chamado Ocidente (meios) terá sido a mais adequada. É uma perigosa candura acreditar ser possível derrotar militarmente a Rússia – uma potência nuclear de primeira ordem –, recorrendo apenas ao sangue, suor e lágrimas de Kiev, mesmo arrastando consigo a União Europeia.

Os EUA interferiram sistematicamente na política interna da Ucrânia desde a sua independência, em 1991. Não só promoveram dois golpes de estado (2004 e 2014) derrubando presidentes democraticamente eleitos, como a partir de 2015 treinaram e equiparam as forças armadas ucranianas, capacitando-as para resolverem militarmente os problemas no Donbass e na Crimeia, removendo assim os obstáculos à admissão da Ucrânia na NATO.

O primeiro passo para atingir esse objetivo concretizou-se quando Washington promoveu a instauração em Kiev de um regime que lhe era próximo e que colocou imediatamente em causa a política de neutralidade estratégica (“non block policy”) promovida pelo então democraticamente eleito presidente Viktor Yanukovych, entretanto derrubado. Mas faltava dar o passo seguinte, isto é, “resolver” militarmente os obstáculos colocados pelos grupos russófonos no Donbass e na Crimeia. A execução desse projeto iniciou-se em meados de fevereiro, através de uma operação militar de grande envergadura, contra as forças rebeldes russófonas no Donbass.

Perante duas situações más (observar passivamente o massacre da população russófona do Donbass pelo regime de Kiev, ou invadir preemptivamente a Ucrânia), o Kremlin optou pela menos má, e invadiu a Ucrânia, inicialmente com o intuito de contrariar a ofensiva militar ucraniana no Donbass e intimidar Kiev a cumprir os acordos de Minsk –  como sabemos, um objetivo falhado.

Subestimando Moscovo, Washington não se preparou para a possibilidade do treino e do equipamento fornecidos a Kiev, desde 2015, não serem suficientes para produzirem o efeito desejado: a derrota, e, por conseguinte, a claudicação de Moscovo. As reuniões em Ramstein não têm passado de um paliativo. Equipamentos obsoletos, entregas atrasadas, munições insuficientes, etc., não têm sido a resposta adequada.

Os resultados obtidos estão longe de satisfazer as necessidades de Kiev: Começa a ser evidente a existência de uma disfuncionalidade entre os fins e os meios e métodos escolhidos para derrotar Moscovo. Por isso, não podemos excluir a possibilidade deste conflito vir a ter um fim parecido com os do Vietname, Iraque ou Afeganistão. A menos que os EUA e a NATO se envolvam com botas no terreno. Aí outro galo cantará!