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“Queremos apostar forte para sermos mais resilientes e ter uma economia mais diversificada”, defende Ulisses Correia e Silva

Cabo Verde quer sair na crise apostando nas energias renováveis, na transição digital e na aquisição de competências, sem esquecer o turismo. E conta com o investimento estrangeiro para o conseguir.
18 Março 2022, 17h00

Cabo Verde está a combater a crise, mas com uma estratégia definida para o futuro, de aposta nas energias renováveis, na transformação digital e no capital humano. A transformação da economia passa pela atração de investimento estrangeiro, que terá um papel fundamental, como explica o primeiro-ministro de Cabo Verde, Ulisses Correia e Silva, em entrevista ao Jornal Económico.

A guerra na Ucrânia tem consequências para a economia cabo-verdiana, nomeadamente no aumento dos preços?
É evidente que tem impacto. A pandemia já estava a provocar pressões inflacionistas a nível mundial. A guerra na Ucrânia veio agravar substancialmente essas pressões, a nível do aumento dos preços dos combustíveis, dos cereais, materiais de construção civil, transportes e todos os bens e serviços dependentes de combustíveis. Sendo Cabo Verde um país com uma economia aberta e muito dependente de importações, os impactos dos choques de aumentos de preços internacionais que se registam com a guerra são brutais.

Esta situação obriga o Governo a rever os seus planos de desenvolvimento?
Obriga a reforçar e acelerar as políticas, medidas e investimentos para aumentar a resiliência do país, nomeadamente a transição energética e a viabilização de uma agricultura inteligente. Medidas de mitigação dos efeitos dos aumentos dos preços vão ser implementadas para evitar o colapso da atividade económica e do rendimento das famílias. Foi o que fizemos durante a pandemia e estamos a enfrentar um novo choque externo grave.

Realizou-se a cimeira entre Cabo Verde e Portugal. Quais foram as conclusões?
Assinámos um novo Programa Estratégico de Cooperação, com um pacote de 95 milhões de euros. Pretendemos elevar o patamar das relações, de parceria para aliança, na perspetiva de diálogo político e diplomático, estabilidade e segurança, cooperação institucional e para o desenvolvimento, relações econômicas, elevação do nível de parceria especial com a União Europeia e abordagem a mercados externos, nomeadamente a CEDEAO [Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental].

E que balanço faz da última cimeira União Europeia-União Africana?
É um balanço positivo, porque a expectativas que foram lançadas relativamente à cimeira creio que foram refletidas no compromisso final. Primeiro, cria condições para que esta relação seja colocada num patamar superior ao que tem estado, manter uma atenção especial sobre a temática da paz, estabilidade e segurança, que é do interesse tanto de África como da Europa, e um pacote muito forte associado à iniciativa Global Gateway, com um financiamento de 150 mil milhões de euros que visa apoiar transformações estruturais das economias africanas.

Falamos do investimento na transição energética, que, no fundo, vai mudar o modelo económico que existe até agora muito centrado nas energias convencionais; a transformação digital, de forma a tornar o Estado e as empresas mais eficientes, melhorando também a oportunidade de investimento em todos os sectores de atividade, e as coletividades, nomeadamente, a nível do transporte, para que o acordo de livre comércio e o acordo relacionado com o espaço único aéreo seja concretizado, de facto. Sem sistemas eficientes de transportes, dificilmente teremos condições de ter mercadorias, pessoas e mobilidade a circular e a produzir de forma clara. Depois, um forte investimento nas pessoas, que é a área privilegiada também desse pacote. A educação, formação, o emprego e a saúde. Este é o grande desafio que vai depender muito dos países africanos e que vai exigir bons projetos e bons programas e que tenham impactos transformadores.

Como é que Cabo Verde se insere neste plano?
Para Cabo Verde, há uma convergência muito grande. Temos um plano estratégico de desenvolvimento sustentável que visa atingir objetivos da sustentabilidade, através da redução da dependência de combustíveis fósseis. Somos um país que importa, basicamente, tudo aquilo que consome em termos de energia, ao mesmo tempo temos sol, vento e mar para transformar em energia. Estamos a investir fortemente na mobilidade elétrica para em 2040 atingirmos a meta de 100%. Atualmente, temos um nível de penetração na ordem dos 20% e queremos aumentar para mais de 50% até 2030. É uma prioridade e tem implicações económicas, na redução da fatura energética do país, e tem implicações ambientais.

Temos a transformação digital, que também faz parte da nossa intervenção estratégica, e a questão das conectividades; nós, sendo ilhas, a nossa prioridade é unificar o mercado nacional e melhorar a conectividade entre ilhas, com o resto do continente africano e o mundo, tanto a nível do transporte marítimo como do aéreo.

O desenvolvimento do capital humano é a nossa primeira prioridade e está convergente com o pacote da Global Gateway. A educação, a formação, o emprego e a saúde são fortemente orientados para os jovens. Estamos confortáveis relativamente a essas grandes prioridades, porque são convergentes com os objetivos de Cabo Verde.

É uma oportunidade para captar investimento?
Sim, e para promover o desenvolvimento do sector privado. Não será o Estado a fazer todo o investimento de transformação, mas este será feito através de empresas. Temos um sector privado que deve ser empoderado de modo a criar condições de atração de investimento. Nesta perspetiva, vemos esta grande oportunidade de um lançamento muito mais forte até num período pós-Covid.

Que fragilidades surgiram com a pandemia que podem ser ultrapassadas com a ajuda deste pacote financeiro?
Cabo Verde foi dos países mais afetados pela pandemia. Tivemos uma contração económica em 2020 de 14,8%, essencialmente devido à quebra do turismo. Conseguimos aguentar bem a proteção das empresas, do emprego, do rendimento e das famílias, mas a proteção sanitária foi um desafio. Neste momento, temos níveis elevados de vacinação – 85% da população tem pelo menos uma dose – e está a provocar a retoma do turismo de inverno [outubro-março], que tem estado com boa dinâmica.

A ideia é, na fase pós-Covid, reforçarmos as condições de resiliência e reduzirmos as vulnerabilidades de um pequeno país como o nosso, que são grandes. E isso implica investimento na transformação estrutural. A energia vai-nos tornar mais resilientes, porque deixamos de estar dependentes de energias convencionais. Na agricultura, temos investido forte na dessalinização das águas, que vai resolver o nosso problema ou mitigar os efeitos da seca. A nível da transformação digital, a aposta vai permitir o desenvolvimento do capital humano. Estas são áreas em que queremos apostar forte nesta fase de recuperação, com o objetivo de nos tornarmos mais resilientes e com uma economia mais diversificada.

Quando preveem atingir os níveis pré-pandemia?
Em 2021, deveremos fechar o ano com um crescimento [da economia] de 7%. Em 2022, prevemos 6%; se somarmos, já estaremos quase a atingir o nível da contração que tivemos em 2020. E com as condições criadas para termos mais condições de financiamento que vão sendo necessários para a retoma, poderemos perfeitamente sair desta pandemia mais fortes.

Atingir o nível pré-pandemia no início de 2023?
Sim.

Como pretendem dinamizar o sector do turismo?
Temos um programa dedicado ao turismo lançado há pouco tempo que é muito ambicioso – 200 milhões de euros até 2026 – que pretende apostar fortemente na desconcentração do turismo, para não ficar apenas em duas ilhas, Sal e Boavista.

Uma das ilhas que se posiciona fortemente para o desenvolvimento do turismo é São Vicente. Temos seis hotéis em construção, o que vai duplicar o número de camas disponíveis, e com alguns hotéis de referência, nomeadamente, um Sheraton. Vai criar condições para a ilha de São Vicente se tornar numa aposta forte.

Na ilha do Maio, temos um programa muito forte de investimento, que pretende tornar a ilha num destino turístico. Desta forma, iremos ter uma oferta diversificada e que não se irá focar só no sol e praia. Vai permitir também a concretização das aldeias rurais, que vai permitir desenvolver o turismo virado mais para o contacto com a natureza, experiências, turismo ligado ao desporto, à cultura. É um pacote de investimentos importante.

Têm programas específicos para atrair investimento?
Sim, temos um quadro de incentivos fiscais muito importantes. A nível da convenção de estabelecimentos é que definimos um quadro com cada investidor, de acordo com a dimensão e impacto do investimento. O quadro de incentivos é bom.

O quadro regulatório também é bom e a atração de investimento é do nosso interesse. Os hotéis em construção em São Vicente são investimento privado – investimento externo e investimento interno. A área do turismo é uma em que temos interesse em continuar a atrair investimento.

Além da pandemia, e da situação internacional, que outros riscos podem comprometer a recuperação económica de Cabo Verde?
Temos o problema da dívida pública, que aumentou de expressão, também porque a contração económica faz com que a dívida disparasse, já que é [medida] em função do PIB [produto interno bruto]. Depois, temos encargos excecionais derivados da proteção, que nos levou a ter despesas adicionais.

Temos uma dívida sustentada. Regrar a dívida é um dos grandes desafios, por isso é que estamos a trabalhar, com essa preocupação, com muitos países em situação idêntica, para que haja uma iniciativa de alívio de dívida, para podermos libertar esses recursos que estão afetos à dívida para investir em transformações estruturais. É uma das vertentes.

A aceleração da inflação é um fator que o preocupa?
Sim, preocupa-nos, essencialmente, por causa da inflação importada. É uma das consequências da crise pandémica, tem havido também a crise energética associada, que tem provocado um aumento de preços de certos produtos e tem impacto na economia cabo-verdiana. Porém, temos um nível de inflação controlada; estamos a falar de 2%, tem andado dentro dessa margem.

Com estes desafios, encara a possibilidade de voltar a recandidatar-se a primeiro-ministro, em 2026, ou à liderança do MPD, em 2023?
No momento certo conversaremos sobre isso.

Referiu o reforço do turismo, com uma maior abrangência. Para fazer isso, vai ter de resolver a questão do transporte. Estão a trabalhar nisso?
Sim e estamos. Conseguimos retomar a TACV [Transportes Aéreos de Cabo Verde], que vai entrar numa fase de consolidação. Estamos a trabalhar para introduzir um regime de sistema low cost, com um quadro regulatório de incentivos que possam justificar-se. Vamos concessionar a gestão dos aeroportos, para permitir um aumento de investimento, e esta concessão vai trazer mercado, porque ganham em função da aterragem e descolagem de voos.
Nos transportes aéreos [inter-ilhas], temos uma empresa que já opera e vai introduzir novos aparelhos, mais adaptados para pequenos mercados, como as ilhas do Meio, São Nicolau, Boavista, de modo a permitir mais flexibilidade. É essa a aposta em que estamos focados. Particularmente a questão da concessão dos aeroportos pode dar um impulso grande, tal como aconteceu aqui em Portugal.

A reprivatização da TACV está a ser preparada?
Numa segunda fase iremos analisar novamente. Agora, tivemos que retomar a posição do Estado. Estamos a restruturar a empresa e depois vamos criar condições para a privatização futura.

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