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Relações entre Portugal e a China: uma ‘jangada de pedra’ no Atlântico

As relações entre a China e Portugal e entre a China e a União Europeia são cada vez mais desequilibradas. E serão ainda mais se o ‘Lego’ entre os planos da nova rota da seda e o ‘Made in China 2025’ correrem como o planeado.
4 Dezembro 2018, 07h35

O projeto chinês ‘Uma faixa, uma rota’, lançada em 2013, é de uma dimensão difícil de imaginar: ao todo, são 900 triliões de euros para investir em 68 países, reforçando a conetividade entre China, Europa, Ásia Central, África e sudeste asiático.

A esta manifestação megalómana do poderio do antigo Império do Meio – a que de algum modo o presidente norte-americano Donald Trump quis responder com uma guerra de tarifas – deve associar-se um outro plano chinês, apresentado em 2015 e que tomou o nome de ‘Made in China 2025’.

Os dois planos encaixam um no outro com a simplicidade de duas peças de Lego: até 2025, a China quer ser auto-suficiente até ao limite do que lhe for possível (com o ‘Made in China’) e a partir daí, poderá transportar para parte substancial do planeta tudo aquilo que produz através das infraestruturas entretanto criadas pelo projeto ‘Uma faixa, uma rota’.

Portugal tem todos os motivos para considerar-se um dos polos de atração potencial para o plano de infraestruturas chinês – e não é só por causa da lenda de Jorge Álvares, nascido em Freixo de Espada à Cinta e que terá sido, em 1513, o primeiro europeu a aportar num porto chinês.

Basta olhar para o mapa para se perceber que Portugal tem todas as condições para ser um dos ‘hubs’ que tanto jeito darão à China, até porque a essa localização soma relações privilegiadas com algumas geografias africanas, como se fosse uma jangada de pedra.

E também com a América do Sul – mas aí as vantagens portuguesas desvanecem-se perante uma Espanha que perdeu o seu império há muitas décadas mas nunca deixou de ser a centralidade de uma commonwealth informal que continua a funcionar com grande eficácia.

Mas tem sido a outra parte do plano chinês para lançar a economia para fora das suas fronteiras que pode baralhar a simplicidade de tudo isto. Este plano não tem nome conhecido, mas através dele as empresas chinesas, nomeadamente as públicas, têm vindo a apropriar-se de conglomerados empresariais ativos em alguns setores que nomeadamente a União Europeia tende a considerar estratégicos.

Dados oficiais indicam que a China como origem do capital era até 2016 apenas o quarto Estado exterior à União Europeia a investir no seu interior – com os Estados Unidos, Noruega e Suíça nos lugares do pódio. Mas a partir daí, a China deixou para trás todos os seus concorrente: logo em 2016, investiu na Europa comunitária cerca de 12 mil milhões de euros (em 160 projetos de aquisição ou de lançamento de empresas). E a partir daí nunca mais teve adversários à altura.

A não ser, claro está, os próprios governos da União. Há poucas semanas, a Alemanha alegou motivos de “segurança nacional” para impedir a entrada no capital da maior rede nacional de energia dos chineses da State Grid (acionistas da portuguesa REN). O governo da chanceler Angela Merkel teve de avançar para essa solução depois de o país ter entrado em alerta geral com a aquisição do fabricante alemão de robôs Kuka pela Midea, fabricante chinês de eletrodomésticos, e da Aixtron (fabricante alemão de chips’) pelo fundo de Investimento chinês Fujian Grand Chip. Kuka e Aixtron são apenas duas das mais de 800 empresas alemãs que, em 2017, foram vendidas a investidores estrangeiros.

O tema foi central nas eleições de setembro – onde a questão da porosidade das fronteiras alemãs acabou por ditar o pior resultado de sempre de Angela Merkel – e o país continua dividido entre os que consideram acertadas as novas disposições comuns de controlo da entrada de grupos económicos ex-comunitários em setores estratégicos (novas obrigações foram decididas no mês passado pela Comissão Europeia) e os que acham isso um atentado ao livre arbítrio dos negócios.

O outro lado do problema é que a China é cada vez mais um parceiro importante no comércio da União Europeia com o exterior. Ou seja, os que advogam alguma permissividade face aos avatares dos negócios estatais chineses acabarão com certeza por ganhar, dado que as linhas atlânticas estão fechadas pela deriva protecionista norte-americana.

Enquanto o ‘americano tranquilo’ partiu para parte incerta (como na história de Graham Greene), o amigo chinês é bastante mais tranquilo (não tem a pressão das assembleias gerais anuais como meta) e tem paciência e capacidade de financiamento aparentemente inesgotáveis a seu favor.

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