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Rui Machete: “Donald Trump teve uma má opositora”

O Jornal Económico entrevistou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e consultor da CMS Rui Pena & Arnaut sobre as eleições norte-americanas. Para Rui Machete “é o fim de uma certa época que vai ter consequências inevitáveis não apenas na América”.
10 Novembro 2016, 16h16

O ex-ministro dos Negócios Estrangeiros e consultor da CMS Rui Pena & Arnaut, Rui Machete, falou ao Jornal Económico sobre as eleições norte-americanas. A ascensão de Trump, a Segurança da Europa, as relações com Portugal  e a NATO foram alguns dos temas abordados.

O que pesou mais na eleição de Trump? Oito anos de Obama ou o fato da rival ser a Hillary?

Não posso dizer que esperava este resultado mas também não me admirou porque também não o excluía. Temos de evitar uma reação catastrófica porque não é o fim da história. É o fim de uma certa época que vai ter consequências inevitáveis não apenas na América. Nós temos problemas em França, com a Madame Le Pen, temos problemas na Holanda, noutros países existem sinais de que o eleitorado está a reagir em termos diferentes do que estávamos habituados e que era um modelo que era dado como mais razoável. Mas devemos evitar ceder ao medo e não abandonar a racionalidade e começarmos a reagir em termos puramente emocionais. Como em todas as crises – e estamos numa crise –  há oportunidades. E é uma oportunidade para a Europa que pode ser aproveitada ou não. É uma oportunidade de rever. Mas não é uma catástrofe. Não podemos dizer que foi bom – eu não gostei – teria preferido que a HYillary ganhasse porque oferecia mais tranquilidade.

É importante não olhar a Europa como um legislador a que obedecemos cegamente. Considero absurdo, por exemplo, que a Europa tenha sido transformada numa relação entre credores e devedores do que uma relação de cooperação entre Estados. Por exemplo, a discussão sobre sanções a Portugal ou negar acesso aos fundos comunitários é de uma insensatez brutal.

Eu acho que Donald Trump teve uma má opositora. Barack Obama foi um bom Presidente. Os não americanos são evidentemente muito mais sensíveis à política externa do que os americanos. Se excluirmos as grandes cidades – basicamente Nova Iorque e Washington – a política externa é vista no Ohio e na América profunda como uma coisa vaga. A ignorância nestes estados é muito grande, muitos deles nunca saíram do país nem do Estado. A Presidência de Obama correspondeu em muitas coisas a padrões muito europeus, digamos assim. E, portanto, muitos americanos não foram tão sensíveis como nós fomos a essa política. Mas, do ponto de vista interno, continuou a gizar algumas políticas de Roosevelt, nomeadamente o Estado Social, o Obamacare por exemplo, que fazem dele um bom Presidente. Tmabém ele sabia que era preciso reagir contra o ‘establishment’, contra Washington e contra os políticos e ele foi apanhado também nisso. Mas entre Hillary e Obama, há uma diferença apreciável.

O que é que a eleição de Trump pode implicar na segurança da Europa?

Ouvimos Marine Le Pen dizer que os Estados devem tomar o controlo das suas fronteiras. Eu acho que Schengen é extremamente importante para a Europa mas reconheço que se não se fizer uma fiscalização rigorosa – e isso não é fácil nem existe – das fronteiras exteriores da União Europeia, Schengen não vai durar no contexto dos riscos e os desafios que se colocam à segurança com a questão dos refugiados que, não sendo obviamente terroristas, formam um caldo delicado. A eleição de Donald Trum é um “wake up call” para a Europa sobre a forma como estamos a lidar com estes e outros assuntos e mostra a ilusão de muita imprensa, dos intelectuais, da elite política e pensante e a distância entre estas pessoas e grandes massas, completamente alheias e imunes ao que se publica.

Para mim foi impressionante, por exemplo, o argumento de Donald Trump que aparece sozinho e aponta o dedo a Hillary Clinton por se fazer rodear de artistas e escritores dizendo que tal é sinal da fraqueza dela enquanto ele não precisa de ninuém. Isto que nos parece idiota, para o seu auditório pegou. Acho que a Hillary provavelmente contribuiu para este resultado por não ser uma candidata forte. Imagine-se, num exercício puramente teórico, que esta eleição era entre Trump e o próprio Obama com uma maior capacidade de empatia ou um Kennedy… se o candidato fosse outro – e não por ser mulher, que tem vantagens e desvantagens – o resultado podia ser diferente.

A relação entre Portugal e os EUA pode alterar-se nesta nova conjuntura?

É preciso distinguir entre aquilo que são as relações entre a União Europeia, da qual fazemos parte, e os Estados Unidos e as nossas relações bilaterais. Em relação à União Europeia vai haver um período inicial difícil em que Trump vai ser sujeito a uma pressão enorme da população mas também do aparelho – Senado, Câmara dos Representantes, o Supremo Tribunal – vai ter o impacto da realidade, tanto interna como externa. Com a Europa, um dos primeiros problemas que se vai pôr é o TTIP, que corremos o risco de ter uma solução intempestiva. Mas também é preciso dizer que nem as necessidades que originaram o TTIP, nem a globalização acabam por causa de Trump. Mas acredito que não estamos a falar do fim do TTIP porque se ele aplicar a sua inteligência empresarial à gestão política – não podemos partir do princípio que Donald Trump não é inteligente, ele apenas simplifica problemas complexos de forma incompetente – não o fará. E ele sabe, basta ver o discurso de vitória que já era bastante diferente dos discursos de campanha que recordavam o pior que o populismo teve quando produziu líderes políticos. Não creio que nos Estados Unidos se passe nada de semelhante mas coisas más vão de certeza passar-se.

Os Estados Unidos precisam da Europa por uma razão muito simples: a Europa tem sido a fiel companheira dos Estados Unidos porque têm interesses comuns e ambos olham para as potências emergentes como a China e a Índia (em estágios diferentes de desenvolvimento) da mesma forma. Nenhum país da Ásia, à exceção do Japão, oferece as mesmas condições de cultura ou históricas que a Europa. Há uma afinidade de interesses que faz com que a Europa seja um aliado natural, de alguma maneira complacente, às vezes demasiado. Mas na Europa haverá consequências. Depende muito de problemas de segurança, de problemas de globalização e da evolução da economia norte-americana.

Quanto Às relações bilaterais, não creio que haja grandes alterações. Nós somos um país pequeno. Não temos possibilidade de ter uma política autónoma em relação aos Estados Unidos como França, por exemplo, com o seu modelo Gaullista. Portugal continua a precisar de apoio comercial porque os Estados Unidos são um parceiro cada vez mais importante para os Estados Unidos. Temos laços culturais, uma comunidade muito importante que é preciso afirmar, ter portugueses a ocupar lugares importantes na sociedade norte-americana que nos dê influência. As Lages são um problema importante que os dois Governos portugueses, o anterior e atual, estão a lidar de forma semelhante, sem grandes diferenças. Na conjuntura que se começa a criar e, salvo se Donald Trump acreditar realmente no que disse em relação a Putin, as Lages vão ter solução. Talvez não tão satisfatória como a que desejaríamos mas certamente que se formos persistentes, haverá uma solução que evite o abandono total.  E há outras soluções por exemplo no campo científico que se afiguram possíveis – não a que sugere a ocupação por outra super potência, que não me parece recomendável mesmo que seja a fazer tricot porque tem implicações complicadas – não vejo que venha a haver problema.

Na sua opinião, como vão ficar as relações entre os EUA e a Rússia, com tudo o que implica para o mundo?

Penso que ninguém sabe, nem mesmo Donald Trump. Mas gostava de sublinhar que a Europa não deve considerar à partida a Rússia necessariamente um inimigo mas sim uma potência que não é 100% ou exclusivamente europeia que tem uma extensão asiática enorme. O que não quer dizer que Putin não possa vir a ser considerado um inimigo e um risco, que já é de alguma forma. Portanto quando Trump diz que Putin é um “nice guy”, acho que ele se engana. Embora seja curioso que pessoas que conhecem Putin bastante bem, dizem que ele tem um grande desprezo pelos políticos europeus e americanos mas tinha um que admirava: George W. Bush. Porquê? Porque é um homem decidido. Depois há calculismo por causa da NATO. A NATO acordou há alguns anos para uma novidade: a recuperação do poder militar russo. A Rússia refez-se apesar de não totalmente, da implosão soviética. Não através da economia, mas através do nacionalismo, a arma utilizada por Putin, um homem com cultura de KGB.

Ou através do ingresso na União Europeia ou na NATO, a parte europeia da Rússia está hoje rodeada por Estados sombra e anti-Rússia: a Turquia, a Roménia, a Hungria, os Estados bálticos. E a NATO acordou para uma Rússia que é uma ameaça séria e o diálogo entre os Estados Unidos e a Rússia eleva a Rússia e Putin não tem ilusões. Não é com a Europa que Putin, que vê a Rússia como um Império, quer dialogar. Até porque a Europa entregou a sua defesa à NATO por não querer pagar a factura da defesa militar até porque esta tem custos políticos numa geração que não vê com bons olhos esta despesa.

Hoje, beligerância da Rússia não é apenas militar. É económica, espionagem tecnológica, industrial que é um problema complexo e sensível e haveria uma fragilidade enorme se a NATO fosse enfraquecida e, por exemplo, houvesse alteração de estatutos. Porque o tal artigo 5º é essencial porque nós europeus não temos forças armadas com a capacidade de rapidez e eficácia dos americanos e a Rússia investiu muito recentemente.

Eu presumo que Putin jogue xadrez e neste momento tem talvez mais peças para mexer. Mas a longo prazo, com a política que segue na Rússia, dificilmente haverá uma aproximação real entre a Rússia e os Estados Unidos. Trump poderá ter alguns revezes se acreditar em Putin e depois aprende. Porque o Pentágono é o Pentágono. O State Department é o State Department e o Senado é o Senado. O risco maior é Trump acreditar nas garantias que Putin der. Uma coisa é construir uma política de cooperação em que, a pouco e pouco, se vá arrefecendo a tensão que neste momento existe. E eu não creio que Trump seja ingénuo. Mas se for, é um risco sério.

Como fica o apoio americano à NATO?

Duvido que se cumpra a promessa de campanha. A NATO, uma das críticas que se faz e com fundamento, é que não em vão que os EUA fazem investimentos avultados na NATO e financiam. A NATO tem uma predominância americana na sua autonomização e dos postos atribuídos aos americanos e do ponto de vista operacional por isso não acredito que haja um cumprimento do programa eleitoral. Ao princípio Trump será mais próximo das posições que assumiu em campanha do que a meio do mandato mas a força da realidade, especialmente quando estamos a falar de segurança, vai fazê-lo repensar. E, nessa altura, também Putin perceberá que não cumprirá as suas pretensões de poder na NATO.

A mudança de postos na Administração americana vai produzir alterações em postos e algumas operações dos Estados Unidos. Por exemplo, não creio que haja intervenções fáceis dos Estados Unidos como houve. Acredito que se vai manter o apoio a Israel porque são um grupo de pressão poderosíssimo, mesmo que recentes comportamentos negativos tenham custado o apoio de alguma Europa, nomeadamente as cedências à extrema-direita no Knesset. Mas se olharmos para posições de certos países árabes, sabemos que negam o direito À existência de Israel e isso é inaceitável. A Europa e os Estados Unidos continuam a assumir a posição de dois Estados na Palestina e a existência com tranquilidade de Israel.

 

 

 

 

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