[weglot_switcher]

“Se a sociedade for consciente é possível que corra bem”

Professor catedrático no Instituto Superior Técnico e coordenador de área e líder de grupo no Instituto de Telecomunicações, Mário Figueiredo é uma das vozes mais conhecedoras e respeitadas em machine learning, processamento e análise de imagens e otimização em Portugal e lá fora.
30 Julho 2023, 17h00

Professor catedrático do Instituto Superior Técnico e investigador proeminente na área de ‘machine learning’, diz-se expectante quanto ao futuro. Vê mudança a acontecer nos próximos dez anos, mas não um mundo do trabalho radicalmente diferente quando chegarmos a 2033. Defende que, do ponto de vista técnico, a regulação da chamada inteligência artificial é necessária e não pode correr atrás do prejuízo.

Professor catedrático no Instituto Superior Técnico e coordenador de área e líder de grupo no Instituto de Telecomunicações, Mário Figueiredo é uma das vozes mais conhecedoras e respeitadas em machine learning, processamento e análise de imagens e otimização em Portugal e lá fora. Em 2021 foi nomeado “Fellow” da European Association for Signal Processing (EURASIP).

Numa pincelada, como antevê o mundo do trabalho em 2033?
Na velocidade a que as coisas estão a desenvolver-se hoje em dia e com as incertezas que há em cima da mesa, é difícil fazer previsões, especialmente acerca do futuro. Pergunta-me como será daqui a 10 anos e tendo a ser um pouco conservador. Acho que o mundo do trabalho não vai ser radicalmente diferente daquilo que é hoje.

Não?
Estou a ver isto na perspetiva das tecnologias, não sou economista. A minha visão do mundo trabalho é a visão de uma pessoa que trabalha na área da inteligência artificial e como professor formo pessoas que trabalham nesta área.

Olhemos para o que poderá ser ou não ser igual.
Há trabalhos que podem ser automatizados, que têm já uma promessa de automatização, mas na maior parte deles continuará a haver ainda uma componente humana relativamente importante. Pode haver alguma alteração na natureza daquilo que é pedido às pessoas para interagir com essas tecnologias. Fala-se muito em upskilling, obviamente que é relevante e importante, mas eu gosto de falar em reskilling. Uma pessoa que trabalha num determinado assunto numa dada área, se forem adotadas novas tecnologias — “o elefante na sala” são os large language models e os ChatGPT —vai ter que trabalhar com essas novas ferramentas. Continuará a trabalhar na área mas provavelmente de forma diferente.

Quanto aos empregos?
Obviamente, pode e vai haver perda de empregos. Uma pessoa quando apoiada por tecnologia trabalha muito mais depressa, portanto, são necessárias menos pessoas. Por outro lado, há trabalhos que vão tornar-se mais valiosos por serem feitos por pessoas. Falo por mim. Detesto ser atendido por chatbots, valorizo muitíssimo a interação humana e isso, nas próximas, direi, muitas décadas ainda, vai continuar a ser importante. Resumindo: há coisas que passarão a ser feitas de forma automática e outras não. Como os humanos são muito interessados em humanos, acho que vai haver alterações, mas não sou pessimista. Sou expectante, digamos assim.

Pode ser uma oportunidade para fazer melhor em menos tempo, mas é preciso acautelar…
Sim, sim. Tudo isto tem um pano de fundo de regulação e todo um aspeto político e de políticas que garantam que são assegurados os direitos das pessoas e que estas tecnologias funcionam de forma justa e equitativa. Há um potencial muito grande em aspetos, como, por exemplo, a privacidade. É muito fácil ser intrusivo e isso estar envolto num conjunto de ferramentas que fazem tudo por capturar a atenção das pessoas o maior tempo possível. Há muitos aspetos complicados, mas acho que se tivermos cuidado e se a sociedade for consciente e estiver lúcida para os perigos e para as oportunidades, é possível que a coisa corra bem.

A União Europeia foi no caminho certo em termos de regulação nesta questão da Inteligência Artificial (IA)?
Do ponto de vista técnico, acho que é importante regular e que a União Europeia tem tido a postura de ser líder na regulação. Se está a ser feito na quantidade certa, com a intensidade certa, não sei, não quero opinar muito fortemente sobre isso, porque não tenho conhecimento legal. Uma coisa é verdade: o processo legislativo é muito lento, muito mais lento do que a evolução que temos visto nos últimos anos dentro da Inteligência Artificial. É muito importante olhar com cuidado para este “correr atrás do prejuízo”, como dizemos em português.

Estaremos a construir uma sociedade de bem-estar onde se trabalha menos horas e no que gostamos ou estaremos a construir um mundo com mais desigualdade e as tensões sociais a aumentar?
É uma questão muito mais política do que técnica. Em rigor, não sei responder. Depende dos países. Em países que têm uma política cuidadosa de manter o bem-estar dos cidadãos, o equilíbrio e a coesão social e uma rede de segurança social para os mais desfavorecidos, é provável que o facto destas ferramentas permitirem, por exemplo, ganhos de produtividade, ou seja, mais riqueza para distribuir, que toda a gente possa viver melhor. Mas pode acontecer exatamente o contrário. Estas ferramentas também permitem criar muitas desigualdades, são extremamente poderosas, permitem negócios extremamente eficientes e tomar decisões em grande escala. No fundo, o que está por trás disto tudo é a economia.

O negócio?
Sim. Estas coisas não se desenvolvem por nada a não ser por objetivos comerciais, porque as empresas usam-nas para vender coisas. Quando digo ‘vender coisas’ é uma expressão muito genérica. As redes sociais vendem a atenção das pessoas para fazer publicidade. Por exemplo, o Google tem uma série de serviços para manter a pessoa no seu ecossistema, que é muito útil todos os dias, mas no fim o modelo de negócio é publicidade… no fim da cadeia há sempre clientes a comprar algo. Esse é sempre o objetivo.

Como é que Portugal está neste campo da inteligência artificial, nomeadamente as nossas universidades?
No Instituto Superior Técnico várias pessoas trabalham neste assunto, no panorama nacional também e temos pessoas boas. Mas em termos de país estamos mais ou menos como em muitas outras áreas: em média, relativamente atrás da média da União Europeia, mas com alguns pontos de excelência.

Há, no entanto, um aspeto em que Portugal está relativamente bem. O panorama das start-ups tecnológicas baseadas nestas tecnologias é bastante ativo e bastante rico. Há empresas que são líderes mundiais na área em que trabalham, como a Unbabel, a Feedzai, a Outsystems. Existe muito talento em Portugal e o país tem conseguido aproveitar o facto de ter talento e de ter uma formação universitária nestas áreas de muita qualidade.

Copyright © Jornal Económico. Todos os direitos reservados.