O país vive uma situação de emergência que não é apenas sanitária. É também económica. Daí que muita gente aceite como normal que o Governo procure simplificar as regras da contratação pública, com o argumento de acelerar a entrada de dinheiro na economia real. Mas este raciocínio conduz o país a uma armadilha.

A partir do próximo ano, Portugal terá à disposição uma quantidade imensa de dinheiro da Europa. Serão 15,3 mil milhões de euros a fundo perdido, juntamente com 15,8 mil milhões em empréstimos e 30 mil milhões do Quadro Financeiro Plurianual. É uma “pipa de massa”, como disse Durão Barroso. E, como é evidente para qualquer português que tenha um pouco de memória, se existir menos controlo corremos o risco de estes fundos europeus servirem para alimentar as clientelas partidárias que gravitam à volta das entidades públicas, ou para manter “empresas zombie” que consomem preciosos recursos que, de outro modo, poderiam ser utilizados para criar riqueza e emprego. Se este tipo de problemas não tivesse ocorrido em Portugal em situações idênticas no passado, ainda poderíamos dar o benefício da dúvida. Mas só repete os mesmos erros quem quer.

O caminho não pode passar por um relaxamento das regras da contratação pública, abrindo a porta a que se repitam situações como a das célebres golas antifumo que, por sinal, eram inflamáveis. Pelo contrário, precisamos de mais controlo, transparência e responsabilização, ainda que sem pôr em causa a necessária agilidade na atribuição e na aplicação dos fundos.

Precisamos também de criar condições para que o país consiga apresentar mais projetos de qualidade, de maneira a poder utilizar ao máximo os fundos europeus que temos à disposição. E por “aproveitar ao máximo” não me refiro a simplesmente aumentar a taxa de execução – que tem andado na casa dos 50% – mas sim por uma utilização inteligente e racional dos fundos. Até porque se o objetivo fosse simplesmente distribuir dinheiro a rodos, seria mais eficaz (e justo) entregar um cheque a cada cidadão português.

Por outro lado, a não recondução do presidente do Tribunal de Contas e a sua substituição por um alto quadro que foi referido na comissão de inquérito às PPP por alegadamente se ter articulado secretamente com Paulo Campos – numa renegociação que terá lesado o Estado em 3,5 mil milhões de euros –, não contribui, certamente, para reforçar a confiança no sistema.

Por tudo isto, se não se trata de um “assalto” aos fundos europeus, como disse a presidente da Transparência e Integridade Associação Cívica, pelo menos parece. O que é muito grave. Mas mais grave ainda é o facto de ter ficado claro para todo o país que tal acontece por comum acordo entre o Presidente da República, o primeiro-ministro e o líder do maior partido da oposição. Os populistas agradecem.