Desde que em 2002 o Governo promoveu a liberalização dos preços dos combustíveis, somos periodicamente confrontados com artigos de opinião que acusam as petrolíferas de falta de concorrência e transparência e de manipularem os preços. Essas análises estão frequentemente na origem de estudos sobre formas de disciplinar o mercado e forçar a uma baixa dos preços.

Tenho defendido que este debate assenta não na realidade mas sim em percepções formadas a partir de uma leitura pouco rigorosa dos factos. Os comentadores dizem que os preços dos combustíveis não variam de posto para posto, e concluem que tal tem de ser devido a concertação por parte das petrolíferas, que assim estarão a violar as regras de concorrência.

Ora, os já quase 20 anos de apertada monitorização do mercado pela Autoridade da Concorrência e a Entidade Nacional para o Sector Energético não identificaram qualquer indício de concertação. Ao contrário, conclui-se que todos os operadores e entidades interessadas tem acesso livre e simultâneo a uma enorme quantidade de informação sobre preços e produção, e que afinal existe plena transparência na formação dos preços. Mesmo as televisões costumam hoje antecipar as variações de preços, porque conhecem o processo e acedem à mesma informação que as companhias usam.

A liberalização consistiu na eliminação de preços máximos aplicados administrativamente a certos produtos com base numa fórmula que ponderava preços médios (não máximos) de venda ao público observados nos principais mercados europeus. Ou seja, os preços que vigoravam em Portugal estavam sujeitos a uma pressão para se manterem artificialmente baixos. Quando se eliminou essa pressão, os preços, naturalmente, subiram.

Por outro lado, estamos a comparar preços de venda ao público, que são afectados por impostos, que variam de país para país. Em Portugal, a carga fiscal sobre os combustíveis chega a atingir os 60%, o que leva a preços mais elevados do que os praticados noutros países (sobretudo Espanha), onde a carga fiscal é menor. Se compararmos preços à saída das refinarias, que se baseiam em cotações internacionais formadas nos principais centros de transacção, verificamos que os preços em Portugal estão próximos dos valores médios.

A refinaria de Sines concorre directamente com as refinarias espanholas. Como a importação é livre, os preços que pratica têm de tornar pelo menos indiferente a opção dos seus clientes por importarem directamente. Se não o fizer, morre, porque não vende. Daí resulta o seu equilíbrio. Mas, por outro lado, se vendesse mais barato uma parte substancial da sua produção seria imediatamente colocada em Espanha.

Ou seja, o mercado funciona, e encontra os seus próprios equilíbrios numa lógica de livre concorrência.

O Governo pretende agora ter a possibilidade de limitar a “margem de comercialização”, argumentando que apresenta um comportamento descompassado dos mercados, sendo actualmente mais elevada do que o que se verificou em 2020. Mas a “margem de comercialização” não diz respeito ao “lucro” das petrolíferas, mas sim aos custos associados ao transporte dos produtos desde as instalações de armazenagem até aos pontos de venda, e à amortização dos investimentos e dos custos de manutenção e operação desses postos.

Ou seja, é o valor que muitas pequenas e médias empresas de transporte, distribuidoras e comercializadoras têm para trabalhar, sendo que na sua esmagadora maioria essa operação já é feita no limite da rentabilidade. Esses custos são em grande parte fixos e indiferentes as quantidades de produto transaccionadas. Quando as quantidades transaccionadas se reduzem, como sucedeu em 2020 em consequência do confinamento, esses operadores sofrem prejuízos, que tentam recuperar quando a situação melhora – como está a suceder agora.

Neste quadro, uma medida que pretenda limitar a “margem de comercialização” vai reflectir-se não nas petrolíferas mas sim nessas pequenas e médias empresas, cuja subsistência será posta em causa.

Pergunto-me, assim, se esta iniciativa será uma boa ideia. Não seria preferível rever os pressupostos da fiscalidade associada aos combustíveis? Ou assumir claramente que o objectivo é reduzir rapidamente o consumo de combustíveis fósseis rodoviários – mas para isso será necessário investir na criação de uma infraestrutura alternativa, rapidamente e em força.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.