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Sines como porta de gás na Europa? “Não vale a pena estar a trazer muito gás porque depois não passa nos gasodutos”

Antigo presidente do regulador de energia analisa a possibilidade de Sines se tornar numa porta de entrada de gás na Europa.
  • Gary Cameron/Reuters
7 Abril 2022, 08h28

De tempos a tempos, a possibilidade de Sines servir como porta de entrada de gás na Europa, regressa à agenda mediática. Estes tempos coincidem com uma postura mais agressiva da Rússia. Em 2014, foi a anexação da Crimeia; hoje, a invasão da Ucrânia.

Mas há vários desafios que podem impedir a cidade do distrito de Setúbal se tornar uma opção: vai demorar vários anos a construir novas infraestruturas de armazenagem em Sines e também os novos gasodutos entre Portugal e Espanha e entre a Península Ibérica e França. Depois, Sines conta com a concorrência ibérica: existem seis terminais de gás natural liquefeito (GNL) no país vizinho.

“O terminal de Sines tem apenas 10% da capacidade dos terminais de GNL na Península Ibérica, e o problema é que a capacidade de transporte entre Espanha e França é inferior à capacidade dos terminais de gás liquefeito da Península. O resto é matemática”, disse ao JE o antigo presidente da Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE), Jorge Vasconcelos.

“Não vale a pena estar a trazer muito gás porque depois ele não passa nos gasodutos”, avisa o especialista.

O primeiro líder do regulador da energia em Portugal considera que a Europa precisa de alargar as suas opções para substituir o gás russo e que, perante o atual cenário, dificilmente Sines pode-se tornar numa opção.

“Hoje a situação é esta. É claro que podem haver investimentos e podem-se alterar as infraestruturas: podem-se construir mais terminais e mais gasodutos, mas tudo isso demora muito tempo. No curto prazo, temos de ser realistas. Sines é importante para Portugal, mas temos a dimensão que temos”, conclui o especialista em energia.

Recorde-se que há vários anos que existe o projeto para construir uma terceira interligação de gás natural entre Portugal e Espanha, através de um gasoduto entre Celorico da Beira e Zamora, mas o projeto teima em não sair do papel.

A REN já tem o projeto feito e considera que o mesmo serviria para contribuir para a “integração das redes europeias, aproximando mais os estados a nível regional na Península Ibérica (Portugal e Espanha), por via da colaboração no desenvolvimento de redes energéticas, de acordo com o princípio da solidariedade regional”.

Entre Espanha e França, os reguladores de ambos os países rejeitaram uma nova interligação de gás entre os dois países pelos custos que isso iria acarretar para os consumidores dos dois países, e argumentando que a capacidade entre os dois países não se encontrava congestionada.

O tema voltou a estar agora em cima da mesa, mas a ministra espanhola da Transição Ecológica criticou este ano o Governo de Emmanuel Macron pela falta de compromisso em construir a nova interligação através dos Pirinéus orientais, pela Catalunha.

Teresa Ribera considerou em meados de março que França iria ser mais beneficiada pela nova interligação, mas destacou os custos para os consumidores espanhóis e que Paris teimava em não fazer os investimentos necessários no seu lado da fronteira. A ministra espanhola defendeu também que o projeto devia ser financiado pela União Europeia.

A Rússia foi responsável por cerca de 40% do gás natural consumido na União Europeia em 2021, num total de 1.550 terawatts hora (TWh) através de gasodutos e 120 TWh via gás natural liquefeito (GNL) através de navios metaneiros. Depois da Rússia, a Noruega (22%) e a Argélia são quem mais exporta gás para a UE.

O país de Vladimir Putin envia gás natural para a Europa ocidental principalmente através de gasodutos: Nord Stream (pipeline marítimo através do Mar Báltico); Yamal (através da Polónia); através da Ucrânia; e através do Turquemenistão/Turquia.

Entre os nove países a quem Portugal comprou gás natural em 2020, a Rússia ocupa a última posição, pesando apenas quase 7% no total de gás natural importado: 5,748 milhões de metros cúbicos normais (Nm3).

A Nigéria lidera este ranking (pesa 54%) com 3,1 milhões de Nm3, seguida dos Estados Unidos da América (16%) com 917 mil Nm3 e da Argélia com 522 mil, segundo os dados de 2020 da Direção-Geral de Energia (DGEG). O gás chega da Nigéria, Estados Unidos e Rússia através de navios metaneiros, é transformado em liquido para ser transportado – gás natural liquefeito (GNL) -, sendo devolvido ao estado gasoso quando chega ao país, através do porto de Sines. Portugal importou assim em 2020 68.129 Gigawatts hora de gás natural no valor total de 1,02 mil milhões de euros.

Em Portugal, o Governo de António Costa também tem defendido o aumento das interligações de gás para a Europa, mas no terreno nada tem avançado.

“Não tenho a menor das dúvidas de que este acordo com os Estados Unidos – quer para este ano, quer sobretudo aquilo que vai ser reforçado no próximo ano, quando vai preencher cerca de um terço do que são as quantidades de gás que a Europa atualmente está a importar da Rússia – vai permitir, seguramente, ao Porto de Sines ter um papel cada vez mais estratégico. Nesta fase, através de barco e, no futuro, graças às interconexões, utilizando os ‘pipelines’ que reforçarão a interconexão entre Portugal e Espanha e a partir de Espanha para a Europa”, disse o primeiro-ministro António Costa a 25 de março, citado pela “Lusa”.

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