Na proposta de alteração orçamental apresentada pelo Governo aproveita-se para introduzir (mais um) crédito fiscal ao investimento (Crédito Fiscal Extraordinário ao Investimento II).

Os benefícios fiscais concentrados em créditos ao investimento têm uma longa história desde o início dos anos noventa e foram aprimorados em 2009, versão sobre a qual os mesmos foram sendo sucessivamente apresentados como se fossem instrumentos novos na década seguinte.

Não podemos deixar, contudo, de assinalar o desajustamento da mesma medida perante a conjuntura vivida.

Primeiro, porque exige que haja gastos em ativos afetos à exploração entre 1 de julho de 2020 e 30 de junho de 2021, quando ainda é cedo para prever que seja este o período adequado de realização deste tipo de investimento.

Segundo, porque apesar de estarmos a falar de 20% de crédito de imposto, até à concorrência de 70% da coleta (o que é sempre superior a qualquer outro benefício fiscal, contratual ou não contratual, vigente no nosso ordenamento), o limite é de 5 milhões de euros por sujeito passivo, que nada mais vem acrescentar aos limites já aplicados a incentivos semelhantes.

Terceiro, e mais importante, porque os tempos exigem que seja dada capacidade de tesouraria às empresas e não impor gastos em componentes do ativo como condição para obtenção de uma vantagem fiscal (numa lógica de gasta primeiro, deduz depois).

Mas acresce a estes três pontos algo que requer reflexão. Na realidade, a crise gerada provocou uma contração da liquidez das empresas em vários setores (fundamentalmente serviços e vendas diretas ao público). Se essa contração foi sendo (tendencialmente) uniforme em período de confinamento e fecho de fronteiras, o período que se segue de recuperação não vai ter a mesma velocidade.

Ora, se por um lado teremos empresas com volume de negócios suficiente para absorver novos investimentos reprodutivos, por outro teremos empresas que irremediavelmente não terão volume suficiente para absorver qualquer crédito fiscal criado pelo governo. Por isso, a medida precisa de ser ajustada ou a contração da economia vai abrir um fosso enorme entre empresas boas (de recuperação rápida) e empresas más (sem recuperação possível).

Nesse sentido, propomos que as empresas que não enfrentem problemas de liquidez não devam beneficiar de reduções de impostos através da modalidade deste “crédito fiscal standard”, mas, pelo contrário, devam ser solidárias num esforço nacional de realização de gastos em áreas prioritárias como a educação, saúde e segurança social, canalizando eventuais deduções fiscais nessas áreas.

Em suma, não é preciso sermos criativos para exigirmos medidas orçamentais mais ousadas – é necessário concentrarmo-nos num esforço redistributivo na deteção da despesa pública útil e instrumental para uma recuperação equilibrada, sem agravamento de fossos propiciados por benefícios fiscais antigos.