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T.A.P. Tabasco A Patos

O processo de despedimento de Christine Ourmières-Widener, anunciada aquando da sua contratação como uma espécie de última Coca-Cola do deserto, tem muitas semelhanças com o risível caso futebolístico dos anos 90.
26 Abril 2023, 07h15

Corria o mês de Setembro de 1997 quando, à quarta jornada do campeonato de futebol, o Benfica perdia por 3-1 com o Rio Ave. O Lendário e tristemente célebre Manuel Damásio, mais famoso pela capela da luz, pela sua esposa, margarida Prieto, e pelo rasto de destruição deixado no Braz & Braz, do que pelas suas qualidades de gestor, despedia em directo o treinador Manuel José, resgatado apenas alguns meses antes ao Marítimo, após meros três jogos na liderança dos leões do almirante Reis. Chamado à razão pela estrutura financeira do clube, de que o estado calamitoso em que deixara as contas da instituição, impediam que pagasse indemnização ao consagrado técnico, avançou para um kafkiano processo de rescisão por justa causa, alegando “incompetência e procedimentos atentatórios do bom nome da instituição”, convocando eleições antecipadas. Quem viesse depois, que pagasse a luz, logicamente.

Do portento de lisura em que se baseou o processo disciplinar a Manuel José, constavam as graves infrações de “comer leitão e beber vinho tinto português, durante o estágio de início de época na Holanda” ( a subtileza da origem lusa do vinho agrava, evidentemente, o ónus, por pressupor que fora levado clandestinamente, à socapa, com a premeditada intenção de prevaricar) bem como de dar “pedaços de pão embebido em Tabasco, aos patos do lago do complexo de estágio, com o objectivo de os engasgar”. Resumindo. Damásio anunciou a decisão de despedimento de Manuel José após uma derrota desportiva mas o processo subsequente despede-o, de facto, por dar “Tabasco a Patos”!

O Futebol dos anos 90 era mesmo uma anedota, refletirá o caro e paciente leitor. Calma! Não se precipite. A governação do Estado português, incluindo as respetivas tutelas de empresas públicas de transporte aéreo não querem deixar órfão o legado profetizado pelo Romano general Galba, que nos idos do sec. III antes de Cristo já sentenciava “estranho povo este, que não se governa nem se deixa governar”.

De facto, um dia após a sua efetiva saída, o processo de despedimento de Christine Ourmières-Widener, anunciada aquando da sua contratação como uma espécie de última Coca-Cola do deserto, tem muitas semelhanças com o risível caso futebolístico dos anos 90. Era indispensável alguém de fora (já agora francesa, bem ciente do tipo da utilização que é feita naquela país das empresas públicas), depois de décadas de gestão atabalhoada da dupla vinda do país irmão, na outra margem do Atlântico, de onde ficaram famosos casos como da ruinosa operação de manutenção e engenharia do Brasil, que serviu alguém, mas não serviu certamente a companhia, bem como as “pornográficas” tarifas de, e para, a Madeira.

Mas, após um relacionamento pessoal conturbado com Alexandra Reis, a gestora “sempre em pé” da ala liberal do PS, troca de acusações de utilização da companhia para contratos, avenças e mordomias que implicam o marido de Christine, a companheira do ‘personal trainer’ deste (um mimo a forma como a senhora abordou a utilização pessoal da companhia aérea destes “pacóvios” – nós portugueses) , a mulher de Fernando Medina, culminado, claro, na indemnização de Alexandra Reis, tudo se desmoronou. De resto, foi a conveniente conclusão “apurada” no relatório da Inspeção Geral de Finanças – IGF, serviço tutelado por Fernando Medina, que indicava como “ilegal” o processo de saída (como administradora mas também como funcionária) de Alexandra Reis da transportadora, que motivou o despedimento em direto pelas vozes de Galamba e do delfim predileto de Costa (estão a ver a parecenças com Damásio, há 25 anos?). Na TAP viveu-se essencialmente uma luta de poder entre dois blocos, que são o reflexo da disputa dentro do PS, com a total e absoluta instrumentalização de uma empresa nacionalizada (e foi por isso que o foi) e que custou mais de quatro mil milhões, dividindo-se entre Medina, a sua mulher, Alexandra Reis e o Administrador Financeiro, Gonçalo Pires, de um lado, e Pedro Nuno Santos, Hugo Mendes, Galamba e Christine  Ourmières-Widener, do outro. Acontece que, ao contrário do que foi “vendido” publicamente, nomeadamente pela IGF, que apressadamente ilibou inconveniências, inclusive Gonçalo Pires, todos sabiam do processo, discutiram valores indemnizatórios, galhofaram sobre o impacto que um envelope de mais de um milhão de recompensa teria na opinião pública de remediados assalariados (i.e. a sociedade portuguesa), acertaram uma verba “boa para todas as conveniências” e seguiram tranquilos de consciência. Como Christine prometeu não baixar a guarda, começaram a surgir outras justificações, a serem dirimidas em tribunal, o que não será fácil, pois não obstante todas as “liberdades” perpetradas pela gestora francesa, ela inverteu o ciclo de prejuízo (muito à custa de benefícios fiscais, é certo), tendo efetuado um corte a fundo em termos de recursos humanos e nas rotas deficitárias, essas mesmas que justificaram, então, a renacionalização (países irmãos, destinos de emigração portuguesa) segundo António Costa e Paulo Cafôfo.

Não poderá ser este o expediente argumentativo já que, nessa altura, estavam todos a ver e a aplaudir aquele prodígio de racionamento de custos. Intuo que surgirão algum “Tabasco e patos” a servirem de panaceia retórica para não pagar mais uma “bojarda” à senhora. E, se for pago, será certamente pelos contribuintes.

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