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Porquê é que o teletrabalho é usado nuns países e noutros não?

A forma como se trabalha mudou radicalmente em vários países, com as empresas a fazer a transição de funções no escritório para total ou parcialmente remotas, e com os trabalhadores a incentivar a mudança. Contudo, nem todas as nações aderiram.
22 Maio 2022, 11h30

Há dois anos, a pandemia empurrou o mundo para o teletrabalho por necessidade. Agora, que muitas das medidas de segurança foram levantadas, grande parte dos funcionários ainda está a trabalhar a partir de casa, alguns de forma permanente. A forma como se trabalha mudou radicalmente em vários países, com as empresas a fazer a transição de funções no escritório para total ou parcialmente remotas, e com os trabalhadores a incentivar a mudança. Contudo, nem todas as nações aderiram, de acordo com a “BBC Worklife”.

Um estudo recente do site de empregos Indeed mostra que o número de listas de empregos globais que mencionam o trabalho remoto quase triplicou desde o início da pandemia, passando de uma média de apenas 2,5% em janeiro de 2020 para quase 7,5% em setembro de 2021, com países como Irlanda, Espanha e Reino Unido a registar os maiores aumentos. Em paralelo, o congénere Ladders prevê que 25% de todos os empregos profissionais na América do Norte serão remotos até o final de 2022, mesmo sem ter em conta aqueles que ainda não são tecnicamente classificados como tal, mas onde os trabalhadores continuam em em casa enquanto as empresas decidem os arranjos formais de regresso presencial ou, mais provavelmente, híbrido. Há ainda, a nível global, cerca de 38% dos funcionários a trabalhar  híbrido, segundo o Índice de Tendências de Trabalho de 2022 da Microsoft.

Mas esta não é a realidade ao redor do globo.

Grande parte do mundo está a adotar um modelo mais progressivo para o futuro do local de trabalho, com empregadores a incentivar o trabalho híbrido e remoto em grande escala. Mas em alguns lugares, o teletrabalho não foi adotado pela sociedade devido a barreiras culturais, tecnológicas ou logísticas.

“A economia do conhecimento está a crescer exponencialmente, mas as preferências culturais e os padrões de vida típicos não estão a acompanhar a mudança”, diz Tracy Hadden Loh, membro da Brookings Institution, um thinktank com sede em Washington. “Então, globalmente, a maioria das pessoas ainda precisará de escritórios”.

Locais como França ou Japão retornam, de forma geral, ao escritório a tempo inteiro, rejeitando a noção de que uma semana de trabalho pessoal de cinco dias é um relíquia do passado. Isto é sobretudo devido a razões culturais.

O caso da França.

De acordo com um estudo do Ifop, apenas 29% dos trabalhadores franceses dizem trabalhar remotamente “pelo menos uma vez por semana ”, comparativamente a 51% dos alemães, 50% dos italianos, 42% dos britânicos e 36% dos espanhóis. Mesmo aqueles na França que relatam trabalhar remotamente parecem fazê-lo com muito menos frequência do que os vizinhos europeus: na Itália 30% dos trabalhadores disseram trabalhar a partir de casa quatro a cinco dias por semana e 17% dois a três dias; em França, 11% e 14%, respetivamente.

“Os franceses são, na maioria das vezes, relutantes em mudar”, diz Sonia Levillain, professora da IÉSEG School of Management. “É um estereótipo, mas também uma realidade”.

Muitas empresas mudaram para uma abordagem de escritório flexível com hot desking (vários trabalhadores numa única estação de trabalho física). No entanto, “os funcionários estão muito céticos”, diz Levillain. “Eles estavam muito apegados ao escritório físico porque era um sinal de identidade e de pertença.”

Da parte dos chefes, também há alguma relutância em trabalhar remotamente porque, tradicionalmente, sentem uma forte necessidade de controlar os funcionários. “Historicamente, as práticas de gestão não foram desenvolvidas em torno da confiança e da autonomia, mas sim de uma abordagem de cima para baixo”, explica Levillain.

As interações sociais também são uma ferramenta fundamental para a tomada de decisões. No escritório francês, “a comunicação é espontânea – não é realmente organizada e estruturada num momento específico com pessoas específicas”, explica Levillain, indicando que os gestores valorizam o contacto e a interação não planeados. Por exemplo, enquanto se movimentam naturalmente, “discute-se na máquina de café, um lugar onde muitas decisões são tomadas e soluções são encontradas.”

Trabalhar de forma híbrida ou remota de forma sustentada significaria mudar as estruturas. “Culturalmente falando, acho que ainda temos muito trabalho a fazer para conseguir isso”, apontou.

O caso do Japão.

O estudo da Indeed quase não mostrou aumento nos trabalhos remotos entre janeiro de 2020 e setembro de 2021 no Japão. Parissa Haghirian, da Universidade Sophia de Tóquio, explica que “a comunicação não verbal desempenha um papel muito importante”, nomeadamente sinais subtis de linguagem corporal ou de ambiente que podem orientar a direção de uma reunião, e estas não têm equivalência nos ecrãs.

O diálogo também é essencial para a tomada de decisões. As funções de cada cargo são pouco rígidas no Japão, com os funcionários a trabalhar de forma interdependente em equipas e a fazer avaliações em grupo, o que dificulta a divisão de processos e a distribuição de trabalho num ambiente remoto, conduzindo a uma menor perceção de produtividade.

“Como não há uma linha clara de onde o seu trabalho termina e o meu começa, todos fazem tudo juntos”, diz Haghirian. “Esse tipo de interação numa empresa japonesa é muito fluído, mas confuso para quem está de fora, porque nunca se sabe quem está realmente no comando ou quem está a fazer o quê”.

Em paralelo, há a questão da orientação: os membros seniores geralmente têm a tarefa de ensinar e monitorizar regularmente os colegas mais jovens – algo que não aconteceu com a mesma eficiência em teletrabalho. “Passado um tempo, as pessoas ficaram realmente cansadas do trabalho remoto e todos queriam voltar ao escritório o mais rápido possível”, diz Haghirian.

Ademais, muitos trabalhadores japoneses hesitam em combinar sua vida doméstica com a vida no escritório, pois preferem ter papéis e limites claros para cada um (o escritório é para trabalhar e a casa é para se recuperar). A nação tem até uma das taxas mais baixas da OCDE para acesso a computadores pessoais, o que se explica pelo pequeno tamanho dos apartamentos em contexto urbano.

Loh diz que o setor imobiliário desempenha um papel fundamental na determinação das atitudes de uma cultura em relação ao trabalho remoto. “A sustentabilidade a longo prazo do trabalho remoto depende das condições de moradia dos trabalhadores”, diz ela. “Então, na Ásia, onde muitas pessoas vivem em condições onde há muito menos metros quadrados por membro da família, trabalhar em casa não é viável ou atraente.”

Há ainda a questão da tecnologia. 

O acesso à banda larga de alta velocidade é outra barreira que pode determinar a transição bem-sucedida de um país para formas híbridas de trabalho, diz Loh. Funcionários em grande parte do Sul Global, por exemplo, agora regressaram aos escritórios depois de más experiências de teletrabalho prejudicadas pela infraestrutura tecnológica precária.

Mas houve uma inegável mudança global na capacidade de realizar o trabalho além dos limites de um escritório tradicional. Portanto, embora nem todos os países estejam tão interessados ​​no trabalho remoto quanto as maiores  potências europeias ou os EUA, as tendências híbridas e remotas vieram para ficar. Mesmo nos locais com mais resistência, há sempre empresas que aderem. Resta ver a lei do mercado a funcionar e a competição a desenrolar-se.

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