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Transição digital reforça importância do talento na advocacia

A tecnologia vai reforçar a eficiência das sociedades de advogados, ajudando-as a serem mais competitivas face às ‘Big Four’ e outros concorrentes. Mas para isso será necessário apostar nas pessoas.
28 Maio 2022, 17h00

A digitalização está a mudar a forma como as sociedades de advogados funcionam, obrigando-as a investir cada vez mais em novas soluções tecnológicas. Porém, a digitalização, per si, não é sinónimo de uma transição digital que permita servir os clientes de forma mais eficiente. Para que essa transição exista e crie valor para as sociedades e para os seus clientes, é importante investir no talento humano que, dizem os líderes do sector ouvidos pelo Jornal Económico, vai continuar a ser um factor crítico de sucesso.

“Digitalização não é sinónimo de transição digital. Muito deste caminho não depende necessariamente de tecnologia, mas antes de uma mudança de mentalidade. Estamos, não só, a avaliar toda a nossa forma de trabalhar, como a identificar as áreas que podem sofrer mudanças significativas. Algumas dessas áreas terão de ser complementadas com ferramentas tecnológicas, outras apenas alteração ao nível de modelos e procedimentos”, disse ao Jornal Económico o managing partner da Antas da Cunha Ecija & Associados, Fernando Antas da Cunha.

Por sua vez, António Villacampa e Bernardo Ayala, managing partners da Uría Menéndez – Proença de Carvalho, consideram que a digitalização já está a diminuir as tarefas de menor valor acrescentado que, anteriormente, eram desempenhadas por advogados, como revisões documentais, pesquisas de documentos e versões iniciais de contratos. Tal permitirá que os advogados se possam dedicar às tarefas de “verdadeiro valor, como a análise jurídica substantiva, a definição de acompanhamento de estratégia, a negociação e, de um modo geral, tudo o que envolva interação humana”.

“A nossa abordagem a estas tecnologias tem sido de aproximação e utilização para que as possamos compreender melhor, compreender como funcionam, verificar se são úteis e se já estão prontas para ser aplicadas em assuntos reais. Esta aprendizagem permitiu-nos comprovar que as ferramentas de inteligência artificial são muito úteis para determinados trabalhos específicos, mas, em última análise, são apenas uma ferramenta auxiliar para o advogado e nunca poderão atuar como seu substituto”, referem os managing partners da Uría, numa resposta por escrito a questões colocadas pelo Jornal Económico.

Esta importância do factor humano, devido à necessidade crescente de contar com advogados qualificados do ponto de vista tecnológico, reforça o desafio de ser capaz de atrair e reter os melhores profissionais. Carlos Coelho, diretor de Inovação e Conhecimento da Morais Leitão, diz que o seu escritório leva o “desafio da atração e retenção de talento muito a sério”.

“A este nível, a nossa atuação desdobra-se em dois vetores principais. Por um lado, proporcionar aos advogados uma experiência de trabalho o mais interessante, diversificada e enriquecedora possível. A par da revisão do plano de carreira em 2021, desenhámos um plano de formação inovador, que combina formação jurídica e não jurídica, formação obrigatória para acesso a nova categoria com formação obrigatória após esse acesso e temas clássicos com temas mais recentes como a inovação e a diversidade. (…) Por outro lado, procuramos dotar a organização de instrumentos que promovam a conciliação da vida pessoal com a vida profissional”, acrescentou.

A tecnologia como ‘arma’ contra a concorrência das ‘Big Four’?
Numa altura em que as chamadas ‘Big Four’ (Deloitte, PwC, EY e KPMG) e outras consultoras competem cada vez mais com os escritórios de advogados (e com a criação de sociedades multidisciplinares a perfilar-se no horizonte), será a tecnologia a ‘bala de prata’ que vai permitir que o sector se mantenha competitivo?

“A entrada de novos concorrentes acontece recorrentemente e não só através da dita multidisciplinariedade, que, na prática, já existe. Pelo menos, três das apelidadas Big Four estão ligadas a sociedades de advogados a trabalhar em Portugal. Aliás, aplaudimos a concorrência de bons profissionais, que permitem “valorizar” o mercado da advocacia”, afirma Miguel Torres, managing partner da Telles. O advogado considera que a diferenciação face a estes novos concorrentes “não é feita apenas com a digitalização, mas sobretudo com a qualidade, a rapidez de resposta, a proximidade ao cliente, a inovação das soluções e o valor acrescentado aportado ao cliente. Estes aspetos são possíveis através da uma cultura organizacional capaz de reter pessoas produtivas e felizes que partilhem um propósito e valores comuns”. E conclui: “Contudo, o que determina o fator diferencial são as pessoas”.

Opinião semelhante tem Paula Ferreira Borges, diretora geral da SRS Advogados. “A tecnologia é parte desse caminho diferenciador, sem dúvida, mas não é o único fator que contribui para a solução. (…) Manter uma marca robusta vai além da transformação tecnológica, de resto transversal ao mercado. Acreditamos que aquilo que nos distingue são, efetivamente, as pessoas – advogados e outros colaboradores –, em quem continuaremos sempre a apostar. Só assim podemos fazer crescer a presença SRS, transmitindo atenção, proximidade e excelência na nossa relação com o cliente”, diz.

Daniel Reis, sócio da DLA Piper ABBC, considera que “a tecnologia hoje já não é um elemento diferenciador, é um aspeto fundamental de qualquer atividade económica”.

“As ‘Big Four’ já concorrem connosco em diversas áreas. Eu não vejo nenhuma razão para ter receio da concorrência; o mercado de serviços jurídicos é altamente concorrencial, o que encaro como um aspeto positivo”, acrescentou.

Por sua vez, Maria João Ricou, managing partner da Cuatrecasas Portugal, considera que “o aparecimento de novos concorrentes no mercado é um estímulo adicional para a diferenciação e para a inovação contínua”.

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