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Trump rasga Acordo de Paris: Como vão reagir as empresas?

Trump tirou os EUA do Acordo de Paris, mas para Luís Dominguez Costa, administrador da Get2C e especialista em Financiamento Climático, em entrevista ao Jornal Económico, este ato é positivo para as empresas: “O setor privado entende que o Acordo de Paris não é mais do que o reflexo de uma nova realidade de transição energética que se pode traduzir numa oportunidade de negócio para todos”.
6 Junho 2017, 14h30

Com a saída dos EUA do Acordo de Paris, não significa que todos os Estados dos EUA acompanhem esse abandono, e não significa também que as empresas não possam continuar a desenvolver projetos para se tornarem mais amigas do ambiente. Com esta tomada de posição da administração Trump podemos assistir por parte das empresas a uma tomada de posição que favoreça o objetivo do acordo de Paris?

Podemos, aliás já estamos assistir. Exemplo disso é o facto de Bob Iger da Disney e Elon Musk da Tesla terem abandonado o conselho consultivo de Trump como forma de protesto.

Outras empresas já demonstraram o total desagrado por esta decisão, caso da General Electric, a ExxonMobil e a Chevron ou a General Motors. Também a Apple, o Facebook, a Microsoft, o Google e a Nike. Portanto será o mais expectável, uma vez que existe um entendimento não só das empresas como de alguns Estados dos EUA, que o Acordo de Paris é fundamental, não apenas por questões puramente ambientais, mas porque essas questões influenciam rapidamente áreas que nos tocam diretamente, como a agricultura ou o fornecimento de água, para dar apenas dois exemplos. O próprio pentágono compreende que as alterações climáticas representam um risco para o país até a nível de segurança. Ou seja, quando existe esta consciência, parece-me natural que o setor privado, e até o público, tome posições que afirmem cada vez mais os pressupostos do Acordo de Paris.

Como pode esta decisão influenciar as políticas ambientais das empresas?

Acredito que terá um efeito muito positivo. Por dois motivos: o primeiro porque existe já uma coligação oficiosa das maiores empresas americanas que foi formada com vista a promover a manutenção dos EUA no Acordo de Paris, ou seja, estes líderes, de alguma forma já se sentaram à mesa para debater o que para eles é um assunto de primordial importância para a subsistência das suas lideradas, em particular, no enorme desafio que é fazer face à grande concorrência que a China e também a UE apresenta aos seus produtos e serviços. O segundo motivo, e talvez o mais humano, deve-se ao facto de estarmos a falar de uma grande parte dos indivíduos mais ricos do planeta, que apesar de mais sensatos na sua generalidade, não terão egos muito menores que o do próprio Trump e, para eles, a decisão deste, após os inúmeros pedidos feitos para a permanência dos EUA no acordo, é uma afronta pessoal. A melhor forma de retaliar é liderar pelo exemplo das suas empresas, mostrando que é possível ser competitivo sem recorrer a tecnologias de base poluente.

As empresas, mesmo que não queiram olhar para o Acordo de Paris de um ponto de vista ambiental, fá-lo-ão certamente pelo lado económico. O setor privado entende que o Acordo de Paris não é mais do que o reflexo de uma nova realidade de transição energética que se pode traduzir numa oportunidade de negócio para todos que estejam dispostos a acreditar que escolhas de novos investimentos em setores como a energia, transportes ou agricultura serão favoráveis a tecnologias limpas

Poderão as políticas ambientais das empresas serem independentes das tomadas de decisão dos governos?

As políticas ambientais das empresas líderes de mercado são independentes das políticas, sempre que estas são fracas em termos de ambição. Já hoje existe uma série de iniciativas, das quais destaco o WBCSD, ou aqui em Portugal o Grace, onde são discutidos caminhos para as empresas que vão muito para lá da ambição dos países onde estas se encontram sediadas. Ao contrário dos governos, que muitas vezes se pautam por ciclos eleitorais de 4 a 5 anos, os acionistas das empresas entendem a necessidade de garantir a sustentabilidade dos seus negócios no longo prazo. Além disso, conseguem tomar decisões numa sede muito mais restrita de stakeholders, onde normalmente os interesses estão alinhados. Isto leva a que em muitos dos casos sejam as empresas a liderar os esforços de mitigação e adaptação às alterações climáticas, usando recursos financeiros das próprias empresas para testar novos serviços, produtos ou mesmo modelos de negócio.

Poderemos assistir a uma união de força daqui para a frente entre as empresas que cumpram o acordo de Paris não só pelo benefício mas para tomar uma posição que contrarie as decisões políticas? 

A união de força já está acontecer em relação às empresas e em relação aos estados. Califórnia, Nova Iorque e Washington anunciaram uma aliança climática para continuar a respeitar o Acordo de Paris. No entanto, penso que as empresas o farão mas apenas pelo benefício e porque reconhecem que o futuro passa obrigatoriamente pela adoção de políticas mais amigas do ambiente, e que reconhecem as alterações climáticas enquanto ameaça real.

Que mecanismos podem ser desenvolvidos?

Posso dar como exemplo alguns dos projetos que a GET2C está a desenvolver e que vêm exatamente no seguimento desta questão:

As empresas procuram fontes de financiamento alternativas aos tradicionais bancos comerciais. A Get2C, em conjunto com a Baker Mckenzie, desenvolveu o conceito do Renewable Energy Scale-Up Facility (RESF), um projeto que foi premiado pela sua inovação pelo Global Climate Lab, que se materializa numa plataforma que visa encaminhar capitais institucionais privados para as primeiras fases de projetos, permitindo assim a empresas do setor das energias renováveis desenvolver projetos em mercados emergentes.

Por outro lado, nos últimos anos temos desafiado empresas e instituições a debater o futuro e o panorama das empresas num cenário de descarbonização profunda, como advoga o próprio Acordo de Paris, exemplo disto foi a conferência por nós realizada o ano passado e a primeira  em Portugal com este propósito.

O Bteam e o We Mean Business são outros exemplos de associações de empresas e líderes carismáticos que visam delinear planos alternativos aos caminhos que Donald Trump visa seguir.

Não há dúvida que há muitas empresas, instituições, indivíduos e governos a trabalhar em projetos e mecanismos para podermos alcançar os objetivos do Acordo de Paris.

Numa lógica de competitividade, representa para as empresas um custo extra serem ‘verdes’?

Esta é uma pergunta que tem vindo a ser respondida pela realidade das empresas.

A energia solar, por exemplo, tem vindo a bater recordes em relação ao preço da energia produzida sendo já, em muitos casos, inferior ao da energia produzida por energias fósseis. O que leva à questão, então porque é que não se instalam unicamente centrais solares ou outras de energia renovável? Hoje a energia renovável deixou de ser pouco competitiva economicamente, mas continua a ser um problema em termos da intermitência que produz na rede elétrica (a energia não é produzida de forma constante). Outro exemplo são os carros elétricos. Na Noruega em 2011 só 1,4% dos carros tinham “tomadas”, em 2016 este montante subiu para 29% sendo que 40% dos veículos já têm baterias. Isto são dois exemplos que visam responder à questão sobre a competitividade das soluções sustentáveis.  Existem barreiras para algumas tecnologias serem adotadas em larga escala à data de hoje, outras são já plenamente competitivas. A realidade é que a tendência é para haver cada vez mais uma aposta das empresas em soluções sustentáveis, não só por uma questão de imagem, mas principalmente porque começam a ser economicamente mais vantajosas e a dar um retorno maior. Poderá haver uma primeira fase de investimento que irá ser recompensado com o tempo. Mas não nos podemos esquecer que só vamos ter esse tempo porque estamos a trabalhar no sentido de dar mais anos de vida ao Mundo e a toda a Humanidade.

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