Em 1977, a revista “The Economist” publicou um artigo intitulado “The Dutch disease” (“A doença Holandesa”) que cunhou este importante conceito económico. Neste artigo, a revista mostrou que a descoberta de reservas de gás natural em 1959 tinha provocado alterações profundas na economia holandesa que arrasaram a competitividade da sua indústria. O então pujante setor do gás natural atraía cada vez mais investimentos e recursos (trabalhadores e capital), desviando os que dantes se dirigiam para a indústria.

Adicionalmente, como o gás enchia os cofres do Estado, a atenção dos políticos virou-se para esse setor, deixando a indústria em segundo plano. Face à ausência de reformas e à descapitalização da indústria holandesa, a reduzida inovação deixava o setor cada vez menos competitivo.

Ano após ano, o crescimento da economia holandesa ficava, então, cada vez mais dependente do gás natural, criando um círculo vicioso. Foi como se a descoberta de gás natural tivesse sido um presente envenenado para a economia holandesa. É precisamente este aviso holandês que devemos ter em conta para o futuro da economia portuguesa, nomeadamente para os potenciais malefícios da dependência excessiva do turismo.

Olhando, então, para a nossa economia, os números do primeiro trimestre parecem contraditórios. Por um lado, a economia cresceu 2,5% (bem acima de todas as previsões), mas, por outro lado, o desemprego subiu 22% e verificou-se uma destruição impressionante de empregos qualificados. Apesar de se assumir que este crescimento se baseou no turismo, ainda ninguém olhou verdadeiramente para os números.

Analisando a evolução real do turismo (através do número de dormidas), este setor cresceu 41%! Este número surpreende, mas mais surpreendente é se o utilizarmos para inferir o que se passou no resto da economia: para a economia portuguesa ter crescido 2,5% e o turismo 41% no primeiro trimestre, as contas mais conservadoras indicam que o resto da economia teve de cair 1%.[1] Ou seja, o sucesso económico que o governo reclama pode acontecer ao mesmo tempo que 92% da economia está pior.

Esta análise consegue assim conciliar os dados aparentemente contraditórios e deixa-nos um aviso sério para o futuro: o turismo poderá ser um presente envenenado.

A melhor estratégia para contrariar esta tendência será a aposta na diversificação das atividades económicas, fomentando a competitividade noutros setores. O PRR será crucial e o Governo deu um passo interessante nesta reprogramação ao triplicar as dotações para as empresas e ao apoiar projetos de investimento em tecnologias de indústria 4.0. Ainda assim, só a agenda Acelerar e Transformar o Turismo tem um financiamento disponível de 76 milhões de euros; são 76 milhões de euros a mais num setor que não precisa de mais combustível público para continuar a voar.

[1] Para o leitor mais curioso sobre estes cálculos, utilizei o peso direto do turismo no PIB de 2019 (para se excluir os anos de pandemia), que corresponde a 8,1%.