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Um coro de críticas junta-se contra a suspensão do acordo sobre cereais da Ucrânia

A União Europeia e a ONU lideram as dezenas de críticas face ao facto de a Rússia ter suspendido o acordo que permitia a venda de cereais ucranianos. Guterres vai propor que uma subsidiária do Rosselkhozbank seja ligada ao sistema SWIFT.
  • António Guterres
18 Julho 2023, 08h42

“Centenas de milhões de pessoas enfrentam a fome e os consumidores estão perante uma crise global que resultará do aumento do custo de vida. Todos eles pagarão o preço” por a Rússia ter bloqueado a extensão do acordo sobre os cereais – que permitia a exportação da produção ucraniana e a sua passagem pelo Mar Negro a partir de portos controlados por Moscovo. A declaração é de António Guterres, secretário-geral da ONU e uma das partes do acordo juntamente com a Rússia, a Ucrânia e a Turquia.

Mesmo assim, a ONU não desiste: Guterres disse que a organização que dirige vai manter-se em contacto com o Kremlin para explorar todas as possibilidades de fazer o governo de Vladimir Putin regressar à mesa das negociações. Aparentemente, a ONU saberá qual é a agenda para isso: convencer a União Europeia a permitir que o banco agrícola russo Rosselkhozbank seja novamente ligado ao sistema de pagamentos internacionais SWIFT.

Guterres disse que a ONU conseguiu criar um “mecanismo de pagamentos personalizado” para o Banco Agrícola Russo por via do banco americano JPMorgan Chase e “recentemente intermediou uma proposta concreta” com a Comissão Europeia para permitir que uma subsidiária do Rosselkhozbank recupere o acesso ao Swift.

O presidente ucraniano, Volodymyr Zelenskiy, disse que conversou com António Guterres esta segunda-feira sobre o assunto, precisamente no ponto que tem a ver com tentar renovar os embarques do Mar Negro. O regresso do acordo é fundamental para a Ucrânia – num quadro em que a economia do país está desmantelada e sem grandes caminhos para manter captação de fundos que não sejam provenientes dos dadores que suportam o esforço de guerra.

“A Rússia está a chantagear o mundo”, disse o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Dmytro Kuleba. “Essa chantagem afeta a vida de milhões de ucranianos e dezenas de milhões em todo o mundo, principalmente na África e na Ásia, que enfrentam agora a ameaça do aumento dos preços dos alimentos e da fome”.

Já o presidente turco, Recep Erdogan, disse acreditar que Putin quer que o acordo continue e discutirá com ele quando se encontrarem pessoalmente em agosto. A tese de Erdogan é que o acordo é também fundamental para manter a saúde da economia russa – apesar de tudo bem menos afetada pelo esforço de guerra e pelas sanções que aquilo que tinha sido antecipado pelo lado ocidental.

Resta saber se Erdogan mantém capacidade de influência no Kremlin. É que o levantamento do embargo à entrada da Suécia na NATO – finalmente decidido por Ancara na semana passada – não pode ter deixado de afetar as relações entre a Rússia e a Turquia.

A União Europeia juntou-se às críticas face ao bloqueio do acordo. “Tenho muita pena que a Rússia tenha decido recusar a extensão do acordo. Da nossa parte, faremos tudo o que for possível para o fazer regressar”, disse o chefe da diplomacia comum, o espanhol Josep Borrel, à margem da cimeira entre a União e os países da América do Sul. “A decisão da Rússia é completamente injustificada”.

No mesmo cenário, o presidente do Conselho Europeu, o belga Charles Michel, afirmou que também está muito desiludido, principalmente porque o acordo permitiu aplacar a crise alimentar nos países mais necessitados – quase todos eles africanos e asiáticos – sendo uma parte essencial da ajuda prestada pela União Europeia às latitudes mais necessitadas do planeta. “iremos apoiar todos os esforços de António Guterres que garantam que o acordo seja recuperado.

Por seu turno, a presidente da Comissão, a alemã Ursula von der Leyen, afirmou que “condeno veementemente o movimento cínico da Rússia de encerrar a Iniciativa de Grãos do Mar Negro, apesar dos esforços da ONU e da Turquia. A União está a trabalhar para garantir a segurança alimentar dos países mais vulneráveis”, escreveu nas redes sociais.

Entretanto, várias capitais alinharam na pressão sobre Moscovo para que o país retome o acordo. O chanceler alemão, Olaf Scholz, disse que a recusa da Rússia em estender o acordo “envia uma mensagem negativa” para o resto do mundo. “Mas todos entendem o que está por trás disso, ou seja, uma ação que tem muito a ver com o facto de a Rússia não se sentir responsável pela boa convivência no mundo”, acrescentou, Scholz à margem da cimeira da União Europeia com os países da América Latina, em Bruxelas.

Bem menos alinhado, como seria de esperar, o representante da China nas Nações Unidas, Zhang Jun, também expressou esperança de que todas as partes envolvidas possam encontrar o caminho do entendimento: “ainda esperamos que, acomodando as preocupações de todas as partes, poderemos encontrar uma solução”, disse.

O Programa Mundial de Alimentos (PMA, da ONU) adquiriu em 2023 80% do trigo sob sua gestão à Ucrânia, contra 50% em 2021 e 2022. E enviou cerca de 725 mil toneladas cúbicas do trigo ucraniano para o Afeganistão, Sudão, Djibuti, Etiópia, Quénia, Somália e Iémen para combater a fome. A organização disse que o acordo forneceu até agora cereais para 45 países em três continentes – 46% na Ásia, 40% na Europa Ocidental, 12% em África e 1% para a Europa Oriental.

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