Um whistleblower e um hacker entram num bar. O barman pergunta-lhes o que querem beber. O hacker diz: “Sirva aqui uma bebida ao meu amigo whistleblower que é um cidadão exemplar!”. “Um cidadão exemplar?”, replica o barman, “Então, porquê?”. “Veja só”, retoma o hacker, “o meu amigo whistleblower teve acesso, na base de dados do banco onde trabalha, a documentos que mostram que os chefes dele estão a praticar crimes e a prejudicar os clientes em montantes milionários. Pelo que ia entregá-los à entidade de supervisão interna do banco, ao regulador e ao Ministério Público.”. “Ai sim?”, pergunta o barman, “Então, por que razão não o fez?”. “Porque eu lhos roubei!”, responde o hacker, “Agora são meus!”.

A aprovação da Diretiva (UE) 2019/1937 passou, como tantas vezes acontece pelos nossos lados, despercebida. E, como nos é também habitual, foi preciso um caso – o que tem Rui Pinto como arguido – para que, de súbito, todos se pusessem a falar de whistleblowers.

Além disso, com a promessa governamental de que agora é que vai ser possível proteger os denunciantes, muitos viram nisso a aprovação para breve da delação premiada. Só é pena que o caso não tenha nada a ver com whistleblowers e que a Diretiva menos ainda tenha a ver com delação premiada.

Com este diploma não se espera prémios a delatores, menos ainda proteção a quem aceda de modo ilegítimo a bases de dados e delas furte informação. Antes pretende a União Europeia proteger funcionários do Estado e de empresas de certa dimensão que, tendo acesso, no exercício das suas funções, a informação indiciadora da prática de ilícitos em determinadas áreas de particular relevância no espaço europeu, decidam denunciar essas práticas.

Nos termos deste diploma, cabe a cada Estado-membro a adoção de medidas concretas de proteção de cada denunciante no sentido de prevenir represálias contra este e de lhe assegurar o competente patrocínio judiciário.

Além disso e de modo não menos importante, impõe ao Estado e a empresas abrangidas pela Diretiva, em razão da sua dimensão e área de atividade, que criem no seu seio entidades de cariz permanente e devidamente dotadas de meios humanos e materiais, vocacionadas para dar seguimento adequado a denúncias de práticas ilícitas ocorridas no seu âmbito, contribuindo de modo decisivo para uma cultura de cumprimento rigoroso da lei pela instituição, pelos seus funcionários e chefias. Define, a propósito, regras de procedimento e prazos rigorosos no sentido de assegurar uma resposta expedita e atempada às denúncias apresentadas.

Se ignoramos o que há muito se tem discutido, que a ignorância nos não leve a confundir o que é diferente. Um whistleblower não é um hacker, nem um delator premiado. Não é um criminoso, nem beneficia com o crime, seu ou de outros.