Não era preciso ter especial vocação premonitória para conseguir antecipar as cenas dantescas que assolam as ruas de França desde os últimos dias de Junho. Hordas descontroladas, compostas maioritariamente por jovens de ascendência extra-europeia e agitadores militantes, deixam um rasto de destruição por onde passam, alegadamente para vingar a morte de Nahel. A forte consciência étnica e o profundo desprezo pela civilização europeia são elementos aglutinadores que motivam a acção destes agitadores. 

Não se viu tamanha mobilização quando Lola Daviet, menina francesa de 12 anos, foi barbaramente violada e degolada às mãos de uma homicida argelina que abandonou o cadáver dentro de uma mala de viagem. Nem no passado mês de Junho, quando um homem sírio esfaqueou várias crianças num parque infantil, perante os olhares distraídos ou vulneráveis de algumas pessoas que por ali passavam. Não se percebe se a opinião pública não se compadece realmente com as tragédias do seu próximo, se deixou de querer saber porque vivemos numa sociedade de anónimos, ou se reprime sentimentos de indignação porque a utopia da assimilação impõe a crença de que os inimigos já não existem. O silêncio é deplorável em qualquer dos casos. 

Por sua vez, o caos que incendeia estes últimos dias foi despoletado pela morte de Nahel, um adolescente de ascendência argelina e marroquina com antecedentes criminais, que foi alvejado pela polícia durante uma tentativa de fuga às autoridades. Talvez por ser tão fácil antecipar um cenário de guerra civil no actual caldeirão multicultural em que a Europa se tem transformado, estes eventos encaixam minuciosamente no enredo do filme Athena (2022). A morte de um adolescente às mãos da polícia como factor explosivo, a mesma sede de violência, a mesma necessidade súbita de incendiar carros, pilhar lojas e roubar roupa, telemóveis, electrodomésticos e armas, numa estranha combinação estética entre o filme A Purga e uma black friday descontrolada. E o barril de pólvora é delegado invariavelmente às forças de segurança que têm de lidar com as consequências de políticas erráticas.

No entanto, nos meios de comunicação dominantes, o vandalismo é muitas vezes apresentado como manifestação pacífica e a ira é legitimada, desde que seja dirigida contra as sociedades europeias e contra a polícia que se vai sacrificando para fazer o seu trabalho debaixo de um clima de intimidação e desautorização. Esta manipulação mediática empenha-se em romantizar o caos e em absolver aqueles que espalham o terror por meio de pilhagens, motins e agressões contra as autoridades. 

Mas graças a algumas redes sociais, em particular o twitter (enquanto vai sendo possível escapar à censura), conseguimos observar os acontecimentos sem filtros e sem eufemismos, e tomar consciência daquilo que acontece quando se governa com o coração, na base de pressupostos equivocados sobre a natureza humana e o funcionamento das sociedades. A política dos afectos pode ser uma arma útil para ganhar eleições, sobretudo em tempos de paz, enquanto o vulcão está adormecido, mas não resiste aos testes do tempo e aos momentos de conflito. 

Esta utopia da assimilação assenta ainda numa mentalidade benevolente e maternal, de aversão ao realismo e ao confronto na política. Daí a ilusão de que é possível gerir uma política migratória caso a caso e reagindo à posteriori. A tomada de decisão fica assim nas mãos de elites desconectadas da realidade, que não conseguem antecipar cenários, identificar padrões, poupar as populações a perigos evitáveis, julgar com imparcialidade e punir com firmeza. Esta frouxidão das lideranças quanto ao seu primordial dever de manter a ordem é mais um dos tantos reflexos do colapso cultural que está à espreita. Assistimos a uma relativa passividade e conivência da parte dos partidos dominantes face a estes acontecimentos inéditos, e outra coisa não se poderia esperar, já que insistem em manter uma comunicação que exclui e não entende, ou finge não entender, os elementos passionais da política. 

Aos políticos desenraizados, simples tecnocratas obedientes que preservam o seu poder, resta-lhes desviar o assunto e acenar com o perigo da ascensão dos “radicalismos”. Porém, perigosa é essa postura política que dilui a identidade nacional, apaga a memória colectiva, sacrifica a segurança e abdica das liberdades e do direito à auto-defesa em nome da benevolência universal ou da mera sobrevivência eleitoral no curto prazo.   

É irónico que sociedades liberais – obcecadas em fluxos de imigração frenéticos como suposta via para o rejuvenescimento demográfico e enriquecimento cultural – construam um pretenso paradigma de liberdades civis na base de um controlo securitário absoluto e omnipresente e da censura. Mas apesar de todo o condicionamento mediático existente, as incompatibilidades étnicas revelam-se agora indisfarçáveis, por mais que se inventem desvios de análise. O ambiente de guerra civil que assola França, e que alastra a outros países, não se deve à influência de videojogos ou das redes sociais, como sugeriu Macron, nem à falta de apoio social, muito menos à falta de preparação das forças policiais. Sugeri-lo, seria o cúmulo da afronta. 

A presente situação exige uma resposta firme por parte das autoridades, mas não é razoável exigir que a polícia se ajuste continuamente a um inferno evitável. Ninguém tem a obrigação de carregar diariamente o fardo do perigo extremo quando esse perigo é criado e adensado por meros caprichos ideológicos. Caprichos de políticos, ditos pacifistas, que desfiguram as suas próprias nações e lançam os cidadãos indefesos numa condição de total vulnerabilidade perante o terror. 

De um ponto de vista psicológico, é igualmente aterrador perceber que ainda se faz sentir aquele peculiar sentimento de culpabilização pelas agruras e infortúnios que sucedem nas vidas alheias, em todas as latitudes e periferias. Veremos se os povos europeus estarão prontos para enfrentar as intimidações da cultura integracionista e resgatar o amor próprio e uma finalidade civilizacional no meio de todo este caos.