A guerra já começou. Falta saber como e quando vai acabar. A estratégia de segurança nacional assinada por Trump, em dezembro de 2017, que identificava a China e a Rússia, por esta ordem, como as principais ameaças dos EUA, está a ser implementada. Ao contrário do que acontece nalguns países, em que as estratégias de segurança/defesa nacional não passam de um deleite intelectual narcísico dos autores, e não são para executar, nos EUA são guias para a ação.

Trump, ou antes, a sua entourage entendeu ser o momento adequado para atacar a China, convencidos de que a probabilidade de vitória é elevada. Daqui a dez anos será demasiado tarde. O ataque iniciou-se há cerca de dois anos com uma guerra comercial. A pandemia causada pela Covid-19 transformou-se numa oportunidade estratégica, tendo servido para ampliar esse ataque dirimido, por enquanto, apenas no domínio não cinético, tendo os EUA recorrido à guerra de informação e a outras formas híbridas de atuação, como se convencionou agora chamar.

Os EUA não descartam a possibilidade de atacar a China em todos os domínios do espetro da guerra, num empenhamento progressivo. Para já, o objetivo passa por construir uma frente anti-China recorrendo a alianças no Ocidente, projeto para o qual já arranjaram aderentes. Os que ontem gritavam contra as medidas protecionistas e antiglobalização de Trump, são os mesmos que agora seguem Washington no apelo à relocalização da produção. Recorda-se o caso do Japão e da União Europeia – esta última tão sedenta de autonomia estratégica – a queixar-se da sua dependência das cadeias de fornecimento sediadas na China, como se isso fosse uma consequência da pandemia e não o resultado de décadas de um conveniente e deliberado laxismo.

O plano é claro. Como sublinhou Nikki Haley na “Foreign Affairs”, alto e bom som, “getting tough on trade is just the first step… we must strengthen our military”.  Os EUA iniciaram a guerra com o ataque comercial, convencidos de que se encontram numa posição vantajosa para derrotar Pequim num combate comercial prolongado. Mas alguns analistas estão céticos quanto a esse desfecho. A tentativa de Trump “des-chineficar” a indústria de semicondutores pode produzir o efeito contrário e “des-americanizá-la”. A não vencer a guerra económica, e recorrendo a Nikki Haley, os EUA podem sentir-se tentados a dar o passo seguinte.

É conveniente interpretar os indicadores. Não será por acaso que os EUA se têm vindo progressivamente a afastar dos tratados de controlo de armamentos, como aconteceu em agosto de 2019, com o Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio, e em maio de 2020, com o anúncio do abandono do Tratado dos “Céus Abertos”. A grande vantagem dos EUA não os estimula a empenharem-se num sistema efetivo de controlo de armamentos.

Ainda na frente militar, Trump investiu significativamente na modernização do armamento nuclear, nomeadamente das armas nucleares táticas, e apostou no espaço e na sua “weaponization”, tendo anunciado em dezembro de 2019 a criação de uma “Força Espacial”, o sexto Ramo das forças armadas americanas, para assumir o controlo de operações militares no espaço sideral. Por existir o perigo real de se evoluir para uma confrontação cinética, é crucial que a União Europeia saia da bancada, deixe de ser espetador e venha para o campo assumir o papel de árbitro.