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VIII Concurso Nacional de Cervejas Artesanais e Caseiras arranca com recorde de inscrições

Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, Bruno Aquino, organizador do evento e um dos maiores especialistas do setor em Portugal, revela que pode estar a nascer um estilo de cerveja artesanal especificamente nacional, o ‘Portuguese Grape Ale’.
6 Novembro 2020, 22h23

Decorre a partir do próximo domingo, dia 8 de novembro, a VIII edição do Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais, com um primeiro momento na HopSin, em Colares, por via virtual, respeitando as atuais normas restritivas impostas pela DGS – Direção Geral de Saúde, devido à pandemia de Covid-19.

“Muitos dos vencedores de edições anteriores do Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais são hoje cervejeiros conceituados no nosso mercado, demonstrando que o concurso é também uma forma de alavancar projectos e dar destaque à qualidade técnica dos homens e mulheres que partilham este ‘hobby’. São exemplos (…) Rui Bento, actual cervejeiro na Bolina, e Sérgio Pardal, dono e cervejeiro na HopSin, mas também Stefan Hunold, dono e cervejeiro da Mania, e João Brazão, do projecto Trevo da Caparica, apenas para mencionar alguns”, destaca um documento da organização deste concurso.

De acordo com esta nota, “além da componente competitiva, o concurso é também um momento de confraternização da comunidade cervejeira nacional”.

 

“Dadas as restrições impostas pela situação pandémica que atravessamos, as habituais conferências, ‘workshops’, partilha de cervejas caseiras entre produtores, entre outros momentos de convívio e comunhão cervejeira, vão ser limitados, seguindo as recomendações da DGS, pelo que, parte deles, vão ser realizados de forma virtual, através de plataformas de ‘streaming'”, revela o referido documento.

A organização do evento nota também que, como nos últimos anos têm sobrado algumas garrafas enviadas pelos concorrentes, este ano, “vai recolher todas as garrafas excedentes e promover um leilão, revertendo a receita arrecadada para uma entidade de solidariedade social a definir”.

“Evento único em Portugal, o Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais procura promover e divulgar a cultura cervejeira portuguesa através dos seus cervejeiros e da produção de cerveja artesanal. Foi o primeiro evento nacional certificado pelo BJCP, o Beer Judge Certification Program, uma organização mundial de juízes de cerveja, criada em 1985, presente em mais de 40 países e com mais de seis mil juízes no programa”, destaca ainda o documento da organização.

Tal como em anos anteriores, as receitas vencedoras de cada categoria são, posteriormente, produzidas por reconhecidas marcas de cerveja artesanal portuguesa.

A este propósito, recorde-se algumas das receitas vencedoras até à data: Trevo Frika, reproduzida na Trevo da Caparica pelo Vasco Matos; a Rocha Negra, uma Irish Extra Stout elaborada na algarvia Marafada pelo Chris Pedigrew; a Amnesia Juniper Smokin, receita repercutida na Mean Sardine pelo Rui Bento e a Mag8, cerveja finalizada na Oitava Colina pelos cervejeiros Sérgio Pardal e José Gonçalves.

Em 2020, o concurso vai ter o patrocínio, entre outras, de marcas como a Dois Corvos, a Sovina, a Chica ou a Piratas Cervejeiros.

 

Bruno Aquino

 

O concurso é organizado pelo Bruno Aquino, um dos maiores especialistas nacionais do setor e coautor do livro ‘Uma Viagem pelo Mundo da Cerveja Artesanal Portuguesa” (Casa das Letras, 2019), o primeiro livro em Portugal sobre o tema.

 

O concurso tem tirado do anonimato muitos cervejeiros, alguns deles actualmente em lugares de destaque nalgumas das cervejeiras artesanais portuguesas de maior renome, razão que levou o Jornal Económico a entrevistar Bruno Aquino, para tentar perceber qual a real dimensão do mercado nacional de cervejas artesanais, como tem evoluído e quais as perspetivas futuras do setor.

Para já, o VIII Concurso Naciomal de Cervejas Caseiras e Artesanais tem já a registar um recorde de insc rições – neste momento 124 receitas de cervejas em disputa – muito para além do anterior máximo de inscrições registadas até ao monento, 81.

E até pode estar a nascer um estilo de cerveja artresanal especificamente nacional, o ‘Portuguese Grape Ale’…

 

Qual a dimensão do mercado de cervejas artesanais nacionais em Portugal – número de litros vendidos/ano; número de empresas produtoras; número de colaboradores associados ao setor; volume de negócios anual do setor; etc – e como tem evoluído nos últimos anos?
Um estudo efetuado pela Nielsen, que se reporta ao período entre abril de 2017 e abril de 2019, apontava para um crescimento muito significativo do mercado das cervejas artesanais em Portugal. Se nos reportarmos ao período entre abril de 2018 e abril de 2019, e pelo mesmo estudo, o crescimento foi de 10% em valor e 15% em quantidade (números exclusivos da distribuição), três a cinco vezes mais do que os 3% do mercado total de cervejas, ainda que, no cômputo geral, a quota de mercado represente cerca de 1%.

É um estudo, tal como aqueles que são feitos regularmente pela Cervejeiros de Portugal, uma associação representativa de empresas do setor, que inegavelmente aponta para a subida muito relevante no número de empresas e de litros produzidos.

Os números, ainda assim, variam, não havendo uma noção precisa de quanto é que este mercado representa em termos de valor, quantos pessoas estão diretamente e indiretamente associadas ao setor. Porque, na verdade, estamos a falar de negócios familiares, com apenas um ou dois trabalhadores a par de outras estruturas já mais pesadas, com cerca de duas dezenas de colaboradores. Em termos de número de micro e pequenas cervejeiras, com produção e venda regular, creio que andaremos por volta da uma centena.

 

Existem dados sobre o consumo em Portugal de cervejas artesanais estrangeiras e sobre a sua evolução nos últimos anos?

Pessoalmente, não tenho conhecimento desses dados. Não obstante, há um número significativo de importadores e de distribuidores que trabalham com marcas estrangeiras. Ao contrário do que acontece na área dos vinhos, onde maioritariamente se bebem vinhos nacionais (em Portugal bebem-se vinhos portugueses, em Itália vinhos italianos, etc.), já em termos de cerveja o mercado é muito mais permeável à entrada de marcas estrangeiras.

Nesse âmbito, veja-se que a um nível não artesanal, mesmo as marcas mais conhecidas em Portugal têm uma forte componente internacional, com a Sagres a pertencer ao universo Heineken e a Super Bock a ter uma forte participação da Carlsberg. Se a isso juntarmos a firme aposta da Estrella Galicia no mercado português, as marcas próprias ou com contratos de exclusividade de supermercados como o Lidl ou o Aldi, entre muitos outros exemplos que poderia dar, então percebe-se esta dinâmica de fluxos que perpassa o mercado da cerveja.

Note-se, no entanto, que se se pode encontrar muita cerveja importada à venda em Portugal, também já há muitas cervejas portuguesas a serem vendidas em lojas físicas e ‘online’ de países como Espanha, Holanda, Itália, apenas para citar alguns. O crescimento das marcas portuguesas faz-se também por essa vertente, pela internacionalização.

Como se posiciona Portugal no conjunto dos países europeus e mundiais no que diz respeito ao fabrico e consumo de cerveja artesanal?
Deve recordar-se que a primeira marca de cerveja artesanal nacional com uma distribuição significativa no nosso mercado foi a Sovina, que apenas foi criada em 2011. Ou seja, este mercado, que é tão falado e que tem tido um crescimento tão significativo, não chega a ter, na verdade, uma década de existência.

Portanto, se pensarmos que a revolução da cerveja artesanal começou no Reino Unido e nos EUA na década de 70 e início da década de 80, facilmente se compreende que começámos com um significativo atraso.

Não obstante, agora que apanhámos o jeito, tem havido um desenvolvimento contínuo e muito satisfatório. Não só ao nível do número de marcas o crescimento tem sido constante, mas também em outras áreas conexas, como festivais de cerveja, espaços de compra e prova, como bares, brewpubs ou tap-rooms e, acima de tudo, no número de consumidores interessados por cervejas diferenciadas.

Diria, assim, que ainda que Portugal não tenha a cultura cervejeira existente em outros países europeus, nomeadamente da Europa Central e do Norte, o progresso tem sido muito positivo, algo que se verifica pelos prémios que muitas cervejas artesanais portuguesas têm obtido em concursos internacionais, o facto de aparecerem em festivais e lojas de outros países e por, no geral, lhes ser reconhecida uma significativa qualidade. Não estamos, ao nível da produção e consumo, no mesmo patamar de uma Bélgica, uma Holanda, uma Alemanha ou um Reino Unido. Somos um país do Sul da Europa, de tradição vínica, pelo que aquilo que se conseguiu em menos de 10 anos deve deixar toda a comunidade cervejeira nacional muito agradada e optimista em relação ao futuro.

Existem algumas tendências específicas mais marcantes do mercado português de cervejas artesanais face ao que se passa no estrangeiro? Se sim, quais e porquê?
Portugal, como país periférico na Europa e que chegou a este movimento das cervejas artesanais recentemente, tem tendência, como se compreende, a seguir as principais correntes que os países de maior cultura e propensão cervejeira emanam. Por conseguinte, não é de admirar que, em termos de estilos, as cervejas da família India Pale Ale (IPA) sejam prevalentes, havendo, mais recentemente, um interesse gradativo por cervejas maturadas em barricas ou cervejas designadas como ‘sour’ (assim designadas por terem uma acidez marcada, ainda que os estilos subjacentes possam ser muito diversos), por exemplo.

No entanto, ainda que não seja um exclusivo nacional, há uma especial vocação de muitos produtores portugueses em elaborar aquilo que se designa como Grape Ale que, apesar das variações que possa apresentar é, no essencial, um produto híbrido, gerado como uma cerveja clássica, mas a que numa fase do processo, habitualmente a fermentação ou maturação, são adicionadas uvas ou mosto de uva. É um estilo que está a ter muita adesão e, quem sabe, no futuro não teremos um estilo ‘Portuguese Grape Ale’ reconhecido internacionalmente.

Ainda neste campo, de especificidades do mercado nacional, é de salientar o esforço que os nossos cervejeiros artesanais fazem por utilizar produtos autóctones ou cultivados localmente. Há cada vez mais pequenas plantações de lúpulo, produtores a utilizar figo de piteira do Algarve, cerejas do Fundão, castanha da Serra de São Mamede, apenas para mencionar alguns.

O VIII Concurso Nacional de Cervejas Caseiras e Artesanais já atingiu um novo recorde de receitas inscritas, com mais de uma centena, apesar das restrições impostas pela pandemia. Quais as expetativas para este evento?
Termos verificado que foram inscritas mais de 120 – neste momento, 124 – cervejas diferentes foi, de certa maneira, uma surpresa, face ao maior número que tínhamos obtido anteriormente, no concurso de 2018, que tinha sido de 81 cervejas a concurso. Tal pode, eventualmente, ser explicado pelo período pandémico que atravessamos, designadamente o primeiro semestre do ano, na fase de confinamento, que poderá ter propiciado a que muitos cervejeiros caseiros tenham tido mais tempo para retornar a este ‘hobby’. Ou, preferencialmente para nós, que a produção de cerveja em casa é algo que se está a cimentar e a massificar, verificando os portugueses que é uma atividade e passatempo muito cativante e relativamente fácil de iniciar.

Em teoria, e pelo que tínhamos projetado, este seria mais um evento de confraternização da comunidade cervejeira nacional, com workshops, conferências, troca de cervejas entre ‘homebrewers’, entre outras atividades. Face às restrições impostas pelo Governo e pelas autoridades de saúde, que procuraremos seguir à risca, o programa do concurso, paralelo à competição em si, foi substancialmente reduzido e o pouco que ainda se irá efetivar acontecerá através de plataformas virtuais de ‘streaming’.

Retirada essa parte, o concurso decorrerá normalmente, garantindo-se primordialmente o necessário distanciamento entre os elementos do júri. Para além do recorde no número de inscritos, esperamos o mesmo que tem vindo a acontecer em todas as edições: a notória melhoria genérica da qualidade das cervejas a concurso.

Qual tem sido o impacto da Covid-19 no setor em Portugal, não só ao nível do consumo, mas também da produção?
Tal como em quase todas os outros setores e atividades económicas, também o mercado cervejeiro tem sofrido substancialmente com a situação pandémica. Num ano em que se esperava que, em termos de cervejas artesanais, fossem, uma vez mais, batidos os recordes em termos de litros produzidos e litros vendidos, a verdade é que, a partir de março, entrámos num inverno que tem sido de descontentamento para todos.

Infelizmente, já houve marcas e bares que tiveram de encerrar temporariamente ou permanentemente e temo que, até toda esta situação estar, digamos, sob controlo, percamos mais alguns ‘players’ pelo caminho.

Na realidade, todo o setor cervejeiro, e aqui não me cinjo apenas às cervejas artesanais, tem padecido com a falta de turismo, com o confinamento ou restrições nos horários de restaurantes e bares que, naturalmente, concorrem para uma diminuição no consumo. As quebras nas vendas são relevantes e mesmo a maior procura que é feita pelas vendas online não é suficiente para equilibrar a balança, bem longe disso.

Face ao menor consumo há, compreensivelmente, uma diminuição na produção. O setor está em suspenso, como o estão muitos negócios e vidas, nesta e noutras áreas.

Há que apelar ao espírito de resiliência e esperar que, nesta fase, o consumidor reconheça a qualidade do produto nacional e lhe dê prevalência.

Em relação ao livro, quer fazer alguma atualização sobre locais onde se pode consumir ou comprar cerveja artesanal portuguesa?
Perante um 2020 tão difícil, percebemos agora que o livro foi editado na altura certa, num período de felicidade e de crescimento deste mercado. A viagem que eu e o Domingos Quaresma fizemos procurou dar a conhecer um pouco mais da cultura cervejeira, mas também, e acima de tudo, demonstrar a qualidade das cervejas portuguesas, as inúmeras marcas que as produzem e a amplitude em termos de distribuição geográfica desses produtores.

De então para cá, e porque até março deste ano se continuava num momento de entusiasmo e de desenvolvimento do mercado, surgiram inúmeros novos espaços que procuram oferecer cada vez maior diversidade em termos de cervejas, apostando por isso nos pequenos produtores artesanais. A título de exemplo, saliente-se: o espaço da HopSin, em Colares; o bar/livraria da Letraria, em Braga; o ‘brewpub’ da marca Bolina, em Marvila, Lisboa; o bar da marca Barona, mesmo no centro de Castelo de Vide; a Lovecraft, um bar e loja, em Aveiro… Enfim, são inúmeras as opções já disponíveis para comprar e beber cerveja artesanal. Agora, é preciso que a ciência ajude e que, rapidamente, consigamos pôr sob controlo este vírus tão insidioso.

 

P.S. – No referido livro, “Uma Viagem pelo Mundo da Cerveja Artesanal Portuguesa”, editado pela Casa das Letras em abril de 2019, Bruno Aquino e Domingos Quaresma, explicam onde os interessados poderão consumir e levar para casa cervejas artesanais nacionais no nosso país, com uma lista de bares, lojas, restaurantes, supermercados e lojas ‘online’.

Fica aqui um resumo, começando por Lisboa: 21 Brewpub, Beerstation, Cerveteca, Dois Corvos Tap Room, Duque Brewpub, Libeerdade, Musa TapRoom, Oitava Colina TapRoom, Quimera Brewpub.

Seguindo para o Porto: Catraio, Cervejaria do Carmo, Gulden Draak Bierhuis, Letraria e Páttria.

No Funchal, Beeerhouse e Fugacidade.

Em Aveiro, Kitten Irish Pub e Iron Duke Pub.

Depois, um pouco por todo o país: Birraria (Almada), Cantinho Café (Figueira de Castelo Rodrigo), Canto do Lobo (Caminha), Deck Bar (Estoril), Hamburgueria B&B (Portimão), Hot Trip (Matosinhos), Hops and Drops (Praia das Maçãs), Praxis (Coimbra), Rampinha (Ponte de Lima), Restaurante Domus Bar (Anadia), Saaz Craft Beer Lounge (Olhão), Taberna Belga (Braga) e Vadia Brewpub (Oliveira de Azeméis).

O livro inclui ainda uma lista dos produtores portugueses de cerveja artesanal, com os respetivos contactos; uma lista de ‘sites’ de avaliação; e uma lista de lojas ‘online’, sem esquecer as lojas ‘gourmet’, garrafeiras, supermercados e outras grandes superfícies de distribuição moderna.

 

 

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