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Vladimir Putin num labirinto de globalização

Eleições na Bulgária e na Moldova colocaram candidatos pró-Rússia na liderança. Porém, o cenário no leste europeu é mais complexo.
26 Novembro 2016, 11h43

Antigo piloto de um Mig-29, Rumen Radev foi eleito presidente da Bulgária. Como derrotou o candidato do partido do primeiro-ministro Boyko Borisov, este demitiu-se. Na Moldova, de nada valeu a Maia Sandu, ex-ministra da Educação e consultora do Banco Mundial, conduzir uma campanha com ênfase na luta anti-corrupção: por 52,3 contra 47,7%, o socialista Igor Dodon tornou-se chefe de Estado. Em comum a ideia de que são próximos de Moscovo, mas, por entre interesses de oligarcas e dissemelhanças políticas, os próximos tempos devem mostrar que o cenário não é tão simples.

Enquadrando os resultados eleitorais, Maria Raquel Freire, professora de Relações Internacionais na Faculdade de Economia de Coimbra, indica: “Apesar de os novos presidentes serem descritos como ‘pró-russos’, é importante sublinhar o contexto das eleições. No caso da Bulgária, um estado da União Europeia (UE), o impacto da crise financeira em termos políticos e sociais não pode ser descurado. Há um sentimento de descontentamento com o modelo de governação e a procura de alternativas tem estado na agenda.”

No fundo, “neste caso específico, mais do que a vontade de relação muito próxima à Rússia – embora a campanha tenha feito referências claras a como esta pode ser um parceiro importante, em particular em termos comerciais e de energia –, os resultados traduzem a vontade de mudança política interna”.

No que diz respeito à “Moldova – mudou constitucionalmente a designação de Moldávia para Moldova em inícios dos anos 90 –, a situação é mais complexa. Trata-se de uma antiga república soviética, muito dependente da Rússia, e cujas tentativas de maior aproximação à UE, incluindo a Assinatura do Acordo de Associação e DCFTA em 2014, não se traduziram em resultados logo tangíveis. Além do mais, na sequência desta política voltada para a UE, a Rússia impôs um embargo às importações de carne e fruta/vegetais vindas da Moldova, algo que, face à dependência do mercado russo, exerceu enorme impacto económico. O novo presidente tem falado da necessidade de alterar os princípios do acordo relativo à DCFTA com a UE – dimensão que entra em contradição com a possível perspetiva de adesão à União Euro-Asiática (UEA), dado que não é possível acordar tarifas externas comuns no âmbito de duas organizações distintas – a opção nesta matéria é uma necessidade, como aconteceu no caso da Ucrânia. No entanto, isto não significa que a Moldova deixe de tentar desenvolver uma política externa multivetorial, onde vai tentando conciliar as relações com a UE e Rússia, também numa lógica de evitar dependência excessiva.” Conclusão: “Nada fácil.”

Paulo Sande, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica, analisa: “Há analogias com o que se passa no Ocidente, incluindo os Estados Unidos, nada é isolado, deixou de haver uma lógica apenas de estado, tratando-se aqui da globalização e da reação à globalização. Há rejeição global das elites e um cansaço com as soluções apresentadas pelo mundo ocidental. No caso búlgaro, país importante em função das fronteiras naquela região, a dependência económica relativamente grande face à Rússia, quanto a gás natural e produtos agrícolas, é óbvia.” A Bulgária só está atrás de Lituânia, Estónia, Finlândia e Letónia na dependência do gás natural e já teve invernos dramáticos quando enfrentou cortes.

“Tudo isto contribui para a divisão europeia quando a Europa precisava de dar uma resposta solidária, conjunta e coordenada, mas nada disso acontece”, diz. Quanto à Moldova, “o candidato eleito foi elucidativo ao dizer que a anexação da Crimeia fez sentido porque se tratava de território russo”.

Após o ‘Brexit’, Sande aponta o “esboroamento das franjas a leste, embora nem sempre com a mesma natureza, em região com relação de amor/ódio com a Rússia” e lembra a “obsessão dos estados bálticos”, pois “há 40% de russófilos na Letónia e quase 30% na Estónia”, fatores de “enorme ameaça quando se vê o sucedido mais a sul”.

A União Euroasiática
Com posicionamentos variados nos países próximos, sejam da Ásia Central ou do Cáucaso, quanto a possível adesão à União Económica Euroasiática, ratificada em 2014, a docente de Coimbra refere: “A grande questão aqui é até que ponto a UEE é de facto um novo formato de integração regional capaz de oferecer aos seus membros benefícios mútuos, e dessa forma ser lida como tendo capacidade de atração. Experiências passadas falhadas têm sido lidas como beneficiando mais a Rússia e, mesmo apontando para a liderança desta em alguns destes projetos, como levantando questões em certas repúblicas sobre as reais vantagens da integração ante o que pode ser entendido como relação de subordinação.”

Raquel Freire especifica: “Note-se que a Rússia não tem poder ou influência ilimitados no espaço pós-soviético e que muitas destas repúblicas se têm afirmado com políticas externas autónomas e independentes, não pretendendo alterar esta situação. O caso do Azerbaijão é muito ilustrativo. No Cazaquistão, por exemplo, as relações com a Rússia são de maior proximidade, mas, no quadro da UEE, uma das questões colocadas é até que ponto estruturas económicas similares, sofrendo do mesmo tipo de problemas (dimensão energética a dominar a estrutura da economia), têm vantagem neste tipo de integração onde os diferenciais podem mais facilmente ser maximizados.”

Por outro lado, “o facto de todos os membros terem direito de veto tem sido um princípio que o Cazaquistão considera central ao funcionamento da organização. Se não houvesse garantias mínimas de equilíbrio institucional entre os membros, a sua participação ficaria questionada. O Tajiquistão e o Quirguistão são as duas repúblicas mais pobres da Ásia central e que mantiveram relações próximas com a Rússia e de maior dependência. A sua entrada por este motivo na organização está prevista, mas o valor adicional em termos de dinâmicas económicas tem sido questionado. E, com a situação na Ucrânia, que afasta a possibilidade de esta integrar a organização, sendo que o fator diferenciador em termos de estrutura económica que esta traria era evidente, tem diminuído a atratividade do projeto.”

É também por isto que “a Rússia fala já do projeto da ‘grande parceria euro-asiática’, envolvendo a UEE, a Organização de Cooperação de Xangai e a ASEAN, mas não explicitando em que moldes podia ser operacionalizada. A ideia de contrapeso às estruturas ocidentais parece evoluir, mas não será bem-vinda em muitos dos estados membros que entendem que a integração regional deve ser feita em complementaridade e não necessariamente de rivalidade.”

Para Paulo Sande, a UEE é “um espaço comum económico limitado entre países demasiado diferentes, apesar da livre circulação de trabalhadores ou da integração em vários setores económicos, mas muito menor do que na União Europeia”.
Raquel não vê margem para alargamento da União Euroasiática. “No contexto pós-Crimeia e de desestabilização no Donbass, é difícil que este seja um projeto para expandir depressa. As repúblicas mais próximas da Rússia poderão vir a integrar, mas serão mais países de pequena dimensão e muito pobres – Quirguistão, Tajiquistão e mesmo que a Moldova altere as políticas e opte por esta reorientação económica – que não vão tornar o projeto mais atraente.”

A professora reflete: “Se o objetivo de Moscovo era ganhar poder e influência no espaço pós-soviético, então parece comprometido. Mas esta parece-me também uma leitura demasiado reducionista, pois a economia russa está em recessão. Face às sanções nas relações com o ocidente (UE e EUA em particular), a articulação com outros mercados pode ajudar a dinamizar relações económicas e promover maior produtividade, essenciais à economia russa atual.”

Sande anota: “Nunca a análise foi tão difícil e os próximos anos vão ser determinantes na configuração geopolítica daquela zona. Há uma grande dose de déjà vu. O fenómeno das migrações tem muito a ver com o que se passou e, tal como agora, também houve longo período de paz entre as guerras mundiais. Tal como naquela altura, vemos propostas políticas muito radicais e crise económica. O grande problema da UE é a desigualdade à escala intraeuropeia – com tensões entre os mais ricos e os mais pobres – e intranacional perante as diferenças no acesso à riqueza dentro de cada país.”

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