Quer se goste ou não de Elon Musk, há que admitir que tem sentido de humor. No ano passado, quando a Tesla estava a ser alvo de short selling (vendas a descoberto) por parte dos hedge funds que achavam que a empresa estava sobrevalorizada em bolsa e que a cotação teria necessariamente de cair, Musk decidiu reagir com uma brincadeira.

Prometeu que a empresa iria produzir “fabulosos shorts [calções] em cetim vermelho radiante com detalhes dourados”. Cumpriu e lançou uma edição limitada de “short shorts”, com o logo da Tesla na frente e a palavra “S3XY” atrás, numa referência geral ao Model 3 da empresa.

Brincadeiras à parte, a Tesla acabou por derrotar os short sellers, não através da venda de calções, claro, mas pelo disparo das ações. No contexto desse conflito, o apoio de Musk ao ‘movimento’ organizado na rede social Reddit para provocar perdas aos hedge funds, com a valorização das ações da retalhista de jogos GameStop, não surpreendeu.

O homem mais rico do mundo está longe de ser insuspeito neste assunto, mas a forma como colocou a crítica é um bom ponto de partida se quisermos analisar o que representa o short selling e a suposta ‘rebelião’ online contra essa prática. “Não podes vender casas que não possuis, não podes vender carros que não possuis, mas podes vender ações que não tens? Isto é BS [bullshit], shorting é um golpe que é legal apenas por razões vestigiais”, disse.

O conceito de short selling é complexo e, como Musk diz, algo contranatura, o que até o torna difícil de explicar a quem não o conhece. Os esforços dos pequenos investidores tiveram, no entanto, uma reação global positiva. A ideia de um ‘movimento’ de ‘pequenos’ investidores a derrotar os ‘gigantes’ maléficos de Wall Street, especialmente os fundos que viriam a perder fortunas num ativo que queriam abater, apela ao sentido de justiça de muita gente.

Nada disto é tão simples, nem de um lado nem do outro, claro. A identidade e a motivação dos que investiram na GameStop não são conhecidas, devido ao anonimato no Reddit. Os ganhos podem não durar muito, pois o ‘exército’ passa para outras regiões ou outros ativos. E como já vimos noutros casos de ‘pump and dump’, o efeito final pode até ser negativo.

Do outro lado, operadores de mercado e analistas, quais virgens ofendidas, surgiram logo a explicar a utilidade do short selling. Pode ser simplesmente uma estratégia para identificar e corrigir desequilíbrios no mercado, ao desvalorizar ativos que estão sobrevalorizados. Ou uma forma de ‘castigar’ empresas com más práticas financeiras ou ambientais. Pode ser uma forma de gerir risco, como um seguro para limitar perdas se uma ação cair em vez de subir. A prática não tem de vir com campanhas de rumores para destruir as empresas, vincam.

Tudo isto é verdade, mas o problema é que, na prática, é uma forma de fazer lucro rápido com o insucesso de empresas. Alguns analistas dizem que o short selling em si não faz cair o preço de uma ação, mas isso é difícil de acreditar quando há uma aposta massiva na queda. Em altura de crise, com milhões de empresas sob pressão, é ainda mais grave.

Após décadas de desregulação em Wall Street, que nem a crise do subprime travou em 2008, foi interessante ver o escrutínio público a uma tática perigosa e na fronteira da ética. Bandos de ‘vigilantes’ anónimos podem não representar a solução ideal para controlar os excessos nos mercados, mas neste caso, pelo menos, serviram para mostrar que os ‘polícias oficiais’ desapareceram de Wall Street há muito tempo.