Todos os anos é a mesma coisa. Chega-se a Novembro, e com a vinda a Lisboa de milhares de estrangeiros que aproveitam a desculpa de um “evento” mais ou menos relacionado com o seu trabalho para virem trocar contactos e doenças venéreas a Portugal, uma parte do país parece perder de vez o juízo.

Os directos que, durante a semana, todos os canais televisivos foram fazendo a partir da Web Summit estavam mais próximos de um vídeo promocional da Cientologia do que de uma reportagem informativa. “O Paddy” – os fiéis tratam sempre Paddy Cosgrave, promotor e rosto da Web Summit, por “o Paddy” – mandou cada um dos espectadores abraçar três desconhecidos ao seu lado e a congregação obedeceu, como bons membros de um culto, e o senhor da RTP que acompanhava a cerimónia quase rejubilava com o fenómeno, “só possível aqui na Web Summit”.

As altas figuras da política, rasteiras como sempre, acotovelavam-se para poderem ladear “o Paddy” e serem fotografadas com ele, na esperança de que uns sorrisos mais do que encenados ao lado do profeta se traduzam em popularidade. António Costa, Fernando Medina e o inevitável Marcelo lá estiveram, olhando para “o Paddy” com o semblante pasmado de uma adolescente ao conhecer pessoalmente o seu ídolo pop favorito.

No fundo, quem tenha acompanhado a cobertura mediática do evento facilmente fica com a sensação de que o tema da Web Summit é o quão extraordinária é a Web Summit, o seu único propósito o de se promover a si própria, numa pescadinha-de-rabo-na-boca publicitária sob o manto do religioso êxtase em relação a tudo o que seja “tecnologia” e “empreendedorismo”.

Os políticos e a comunicação social garantem-nos que a Web Summit traz inúmeras vantagens ao nosso país. Admito que tenham razão, embora me custe a acreditar que alguém decida investir em Portugal em virtude de, por uns dias em Novembro, se realizar uma conferência em que Guterres ou o robot dos insuportáveis anúncios da Meo figuram como oradores (e ao que parece, o investimento em startups tecnológicas até baixou nos últimos anos).

Mas, apesar da forma deslumbrada e acrítica com que o evento é encarado, mais do que a quem a recebe (“o Paddy” recebe do Estado 11 milhões de euros por ano para nos visitar) ou quem paga para nela participar – em 2015, a conferência foi acusada de “enganar” os interessados em nela participar, alegadamente ao esconder as verbas que teriam de pagar pelo privilégio, e de não lhes trazer quaisquer vantagens em troca. Note-se, no entanto, que não faltou quem desvalorizasse essas acusações, e Cosgrave garante que são infundadas –, a Web Summit parece ser proveitosa essencialmente para quem a organiza.

Não é de espantar, portanto, que os nossos políticos adorem a Web Summit. O evento encarna tudo aquilo de que eles gostam, e mais, tudo aquilo que eles são: vácuos veículos de promoção da sua própria vacuidade enganadoramente apresentada como mérito, “marcas” desprovidas de conteúdo, sentido ou significado, mensagens de optimismo e de promessa de um futuro redentor que não só desprezam como ignoram os problemas que existem, bem como os que esse futuro trará.

E também não é de admirar que se esforcem e fiquem satisfeitos por manter a Web Summit por muitos e bons anos em Lisboa. Afinal, percebem melhor do que ninguém como um evento desta dimensão e natureza lhes oferece uma gigantesca plataforma de propaganda, não só no tempo de antena que lhes proporciona, como também através do canto de sereia das “grandes realizações”, que do “Mundial” de juniores de 1991 ao Euro 2004, tanto parece encantar os eleitores portugueses, mesmo que esse seja o único proveito que deles resulta.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.