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Fábrica de baterias de lítio em Sines de gigante chinês pode estar em risco

O projeto de construção de uma mega fábrica de baterias de lítio do grupo chinês CALB, que poderá representar 4% do PIB português em 2028, está a ser reequacionado, sabe o Jornal Económico. O grupo tem estado sob pressão na China, sendo alvo de uma investigação após anunciar o despedimento de dois mil jovens recém-licenciados, que justificou com a necessidade de fazer “ajustes ao negócio”.
3 Julho 2023, 07h30

O projeto de construção de uma mega fábrica de baterias de lítio do grupo chinês China Aviation Lithium Battery Technology (CALB) em Sines está a ser reequacionado, apurou o Jornal Económico.

Vários motivos estarão a contribuir para esta reavaliação. Por um lado, de acordo com fontes diplomáticas, a decisão de afastar a Huawei das redes 5G nacionais está a fazer com que vários investimentos chineses em Portugal sejam repensados, seja por retaliação, seja por perda de confiança no país.

Por outro, o grupo CALB está a ter problemas na própria China. Em maio, o grupo, que é o terceiro maior fabricante chinês de baterias de lítio, despediu dois mil jovens recém licenciados que tinha admitido recentemente, num volte face que causou polémica num país que tem como desafio colocar no mercado de trabalho uns estonteantes dez milhões de jovens licenciados por ano. O despedimento em massa foi justificado pela necessidade de fazer um “ajustamento do negócio” e os jovens despedidos receberam uma indemnização de três mil yuans (cerca de 350 euros). O governo provincial de Jiangsu abriu um inquérito ao caso e o grupo CALB tem sido fortemente criticado na imprensa e nas redes sociais chinesas.

Outro revés foi a derrota, em março, num processo que fora colocado pela líder de mercado do sector das baterias de lítio na China, a CATL. O CALB foi multado em 3,7 milhões de euros por ter violado as regras da concorrência.

O Jornal Económico tentou obter esclarecimentos do grupo CALB, mas até ao momento não obteve resposta.

Fábrica deverá ocupar área de 92 hectares

Ao que foi possível apurar, não houve desenvolvimentos significativos nas parcerias que o grupo CALB formalizou com empresas portuguesas aquando da assinatura do memorando de entendimento para a construção da fábrica, em novembro último.

Porém, de acordo com as mesmas fontes, a parte chinesa ainda não notificou o governo português sobre uma eventual decisão de suspender o projeto, que foi apresentado no ano passado pelo ministro da Economia, António Costa e Silva, como um passo decisivo para a instalação em Portugal de um cluster da mobilidade elétrica. E o AICEP garantiu ao Jornal Económico, através de fonte oficial, que o projeto permanece “ativo”, mas sem dar mais pormenores sobre o avanço real do mesmo, além daquilo que já foi noticiado.

O projeto da fabricante chinesa entrou em processo de licenciamento ambiental em fevereiro e a 1 de março foi assinado um contrato de reserva de direito de superfície sobre 92 hectares na Zona Industrial e Logística de Sines, gerida pela AICEP Global Parques. O início da produção está previsto para 2025, com uma capacidade de 15GWh. No final do ano passado, um responsável da empresa disse à agência Lusa que, em velocidade de cruzeiro, entre 2028 e 2030, a fábrica deverá representar cerca de 4% do PIB português, superando assim o contributo da Autoeuropa, da Volkswagen.

“Um dos grandes investimentos é de uma grande empresa internacional na área das baterias que quer sediar em Sines a fabricação das baterias. (…) Se isto acontecer, com todo o trabalho que estamos a fazer, com a Volkswagen, a Stellantis, a Mercedes e outras marcas, queremos ser um país que esteja à frente na mobilidade eléctrica. São negociações complexas, mas nós estamos a avançar”, disse o ministro durante uma audição no Parlamento, em novembro.

Na altura, a CALB revelou ter assinado um memorando de entendimento com a Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal (AICEP) para a construção em Sines de uma “fábrica de ponta mundial, altamente inteligente, informatizada e automatizada, com zero emissões de carbono”.

Porém, na mesma comunicação, que teve lugar na recta final do seu processo de entrada em bolsa na praça de Hong Kong, a empresa chinesa deixou a ressalva de que o acordo em causa não era ainda legalmente vinculativo, pelo que o projeto poderia avançar ou não.

O Jornal Económico tentou obter esclarecimentos junto do Ministério da Economia, mas até ao momento não foi possível obter mais pormenores junto de fontes oficiais.

Caso Huawei poderá levar à suspensão de vários projetos chineses

As fontes ouvidas pelo Jornal Económico consideram que, a ocorrer, a suspensão de alguns investimentos chineses em Portugal será apresentada como uma decisão das próprias empresas e não do governo de Xi Jinping, apesar da influência significativa que este exerce sobre as mesmas.

A suspensão de investimentos poderá explicar-se por uma eventual retaliação pela decisão relativa à Huawei, mas também pelo receio que algumas empresas chinesas terão de passarem por uma situação idêntica, numa altura em que outros países europeus, como Itália, têm levantado entraves à presença de capitais chineses em sectores considerados estratégicos. No passado dia 17, o governo de Roma confirmou que vai intervir na Pirelli para limitar o acesso do acionista chinês CNRC à tecnologia dos sensores dos seus pneus.

A decisão de afastar a Huawei das redes de 5G nacionais, divulgada em primeira mão pelo Jornal Económico a dia 25 de maio, causou um pequeno terramoto nas relações entre Portugal e a China, por contrariar várias declarações de responsáveis políticos portugueses nos últimos anos e, por essa via, ter apanhado Pequim de surpresa. O Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês demorou vários dias a reagir publicamente ao anúncio, tendo enviado uma nota à Lusa, a 8 de junho último, a referir que espera que “o lado português faça escolhas políticas racionais de forma autónoma e adira à criação de um ambiente de negócios aberto, justo e não discriminatório”.

A questão da CALB, “ou qualquer outra que venha a suceder”, inscrevem-se em claras medidas de retaliação face ao que sucedeu com a expulsão da Huawei do sistema do 5G nacional, disseram ao Jornal Económico o major-general Carlos Branco e o embaixador Francisco Seixas da Costa.
“Será uma retaliação que não só é esperada como é compreensível”, disse Carlos Branco, para quem – com certeza – as medidas retaliatórias “não vão ficar por aqui”. Aliás, recordou, essa retaliação tem um vasto caminho a percorrer, explicou, não só porque as relações entre Portugal e a China são antigas, “reforçaram-se num momento difícil para nós, na altura da troika” e cruzam-se em diversas geografias “como por exemplo em África e não apenas nos países da CPLP”.
Para Carlos Branco, subsiste ainda a questão de Macau. “Estamos a fazer tábua rasa de séculos de relações”. “Vamos ver o que vai acontecer a Macau, ao Fórum Macau e a tudo o que ali está envolvido”. E recordou que “os chineses têm projetos no âmbito dos países de língua portuguesa. Na Universidade de Macau há uma cátedra (ou o que se lhe possa chamar) sobre a China e os países de língua portuguesa”. Ou seja, são relações que não podem ser colocadas em causa por uma decisão do Conselho Nacional de Segurança do Ciberespaço relativa à Huawei – e a todas as oriundas da China. O que, na ótica de Carlos Branco foi feito – e com requintes de ‘malvadez’: “o vice-presidente da China, Han Zheng, esteve em Portugal poucos dias antes da decisão, reuniu com António Costa e ninguém lhe disse nada”.
Para Seixas da Costa, a decisão da CALB é evidentemente “uma retaliação” que só não foi antecipada porque não se quis. Isto apesar de o analista político considerar que a decisão tomada pelo Conselho de Segurança Nacional “está inscrita num quadro mais vasto de uma decisão semelhante no quadro europeu”.

Vale a pena recordar que o Reino Unido foi o primeiro país europeu a deixar de lado a Huawei no 5G (no final de 2020). Pouco depois, em fevereiro de 2021, o Comité de Ciência e Tecnologia da Câmara dos Comuns publicava um relatório destacando que o processo de implantação da tecnologia ficou mais caro e atrasado pela decisão do governo de remover a Huawei por causa de preocupações com a segurança e sanções dos Estados Unidos.

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